Já se sabe que a Covid-19 é uma infecção viral que afeta principalmente o trato respiratório. Rapidamente, descobriu-se também que o cérebro era um dos vários órgãos afetados pela doença, observada a perda de olfato e paladar como principais sintomas. Esse impacto do coronavírus no cérebro, porém, ainda não foi completamente desvendado pela ciência. Em um recente evento online, pesquisadores discutem a questão.

De acordo com a Revista Veja, cientistas do Brasil e da Alemanha se reúnem nos próximos meses para um evento denominado “Fapesp Covid-19 Research Webinars”. Trata-se de uma série de webnários para discutir a repercussão do coronavírus no cérebro humano.

O congresso digital, que conta com o apoio do Conselho Global de Pesquisa (GRC), teve início em junho, mas já possui datas agendadas até dezembro de 2021. O intuito do evento é trazer mais e melhores conhecimentos acerca dos efeitos, ainda obscuros, da Covid-19.

“É muito importante estimular a troca de conhecimento e de experiências entre pesquisadores de todo o mundo”, disse Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fapesp, durante o webnário de abertura no dia 7 de junho.

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Investigações sobre as consequências do coronavírus no cérebro têm sido realizadas desde março de 2020, dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a nova pandemia. Em abril do mesmo ano, foi publicado o primeiro estudo sobre o impacto neurológico da doença, realizado com centenas de pessoas na Itália que relataram perda de olfato e paladar.

Desde então, novas pesquisas vem se desenvolvendo, com abordagens desde os efeitos observados na fase aguda até as possíveis sequelas neurológicas – relatadas por cerca de 30% dos pacientes que se recuperam.

O congresso pode ser acessado na íntegra por qualquer pessoa interessada.

Análises do coronavírus no cérebro

Um dos estudos apresentados no webinário, conduzido na Charité Medicine University Berlin, na Alemanha, demonstrou que o novo coronavírus utiliza mucosas do nariz como porta de entrada para o cérebro.

A pesquisa analisou a presença de amostras de mucosa olfatória em quatro regiões do cérebro de 33 pacientes que tiveram a forma grave da doença e morreram. A equipe de cientistas acompanhou também outros 180 pacientes desde a fase aguda até alguns meses após a recuperação.

Helena Radbruch, uma das responsáveis pelo experimento, afirmou que a presença do vírus nas células nervosas da mucosa olfatória parece explicar os sintomas neurológicos, como a perda de olfato e paladar.

Segundo ela, isso acontece devido a proximidade anatômica entre as células da mucosa, os vasos sanguíneos e os neurotransmissores. Uma vez instalado na mucosa do nariz, o vírus usa conexões neuroanatômicas para chegar até o cérebro e lá permanece.

A boa notícia, sobretudo para quem teve Covid-19, é que o vírus não se mantém por muito tempo no cérebro. “Verificamos que somente em alguns pacientes o Sars-CoV-2 atinge esse órgão e, três semanas após a fase aguda, ele já não está mais lá”, afirmou Radbruch.

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Pesquisadores estão empenhados em desvendar as repercussões do coronavírus no cérebro através de um congresso digital. Imagem: peterschreiber.media (iStock)

Uma outra pesquisa, realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concluiu que, além da mucosa olfatória, existem diferentes formas de o vírus atingir o cérebro. Uma delas se daria conforme a doença vai progredindo para diferentes órgãos e a inflamação sistêmica a torna ainda mais grave.

Entretanto, ao contrário do experimento alemão relatado anteriormente, a pesquisa brasileira trouxe notícias negativas. Eles comprovaram, através de uma autópsia, que o novo coronavírus era capaz de romper a barreira hematoencefálica e se infiltrar em regiões do cérebro.

“A infecção pelo Sars-CoV-2 causou pneumonia, meningite e danos em múltiplos órgãos devido à trombose, entre eles: rins, pulmão, coração, pâncreas e cérebro”, indicou Marilia Zaluar Guimarães, pesquisadora da UFRJ e do Instituto D’Or.

Conforme a pesquisa, embora o vírus seja geralmente eliminado do cérebro algumas semanas após o fim da fase aguda da doença, ocorre um aumento das citocinas (moléculas indutoras de inflamação) no local. Isso explica os diversos problemas neurológicos do pós-covid-19.

O ponto positivo encontrado pelo experimento brasileiro é que, ainda que o Sars-CoV-2 provoque impactos cerebrais, podendo levar a óbito, ele não consegue se replicar no cérebro.

“Descobrimos que a infecção causa a redução de células neuroprogenitoras, mas não afeta a capacidade de proliferação dessas células. O que é curioso”, concluiu Marilia Zaluar Guimarães.

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Células da Glia

Mais um estudo apresentado no evento da Fapesp foi conduzido por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP). Os pesquisadores avaliaram amostras de tecido cerebral de pacientes com Covid-19 e encontraram alterações que sugerem ter ocorrido prejuízo ao sistema nervoso central.

Segundo a pesquisa, mais de 50 dias após o diagnóstico, os voluntários ainda apresentavam alterações na estrutura do córtex cerebral associadas a regiões do trato olfatório. Entre os pesquisados, cerca de 30% desenvolveram algum sofrimento mental como ansiedade, depressão, perda de memória e/ou das funções cognitivas.

“Já se tinha conhecimento sobre sintomas neurológicos, como perda de olfato e paladar. Com os nossos estudos, conseguimos mostrar, pela primeira vez, que o vírus infecta e se replica nos astrócitos – as células mais numerosas do sistema nervoso central e essenciais para a manutenção dos neurônios”, disse Marcelo Mori, pesquisador da Unicamp e coautor do estudo.

“Não por acaso, essas vias de sinalização estão relacionadas com doenças neurológicas, como Huntington, esclerose lateral amiotrófica e depressão de longa duração”, completou Jean Pierre Peron, pesquisador da Universidade de São Paulo, também coautor da pesquisa.

Em suma, pode-se dizer que as alterações metabólicas em células da glia infectadas (astrócitos e outros tipos celulares que atuam na sustentação e na nutrição dos neurônios) se relacionam não apenas com o impacto no cérebro na fase aguda da doença, mas também nas sequelas neurológicas prolongadas, relatadas por alguns pacientes.

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