Desde as 14h desta segunda-feira, 2, o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp está fora do ar. O bloqueio aconteceu por parte das operadoras de internet do Brasil seguindo uma ordem judicial emitida pelo juiz Marcel Montalvão, da cidade de Lagarto (SE) – o mesmo que solicitou a prisão de Diego Dzodan, vice-presidente do Facebook na América Latina, no início de março.

De acordo com o Tribunal de Justiça de Sergipe, o bloqueio faz parte do mesmo processo que levou à prisão o executivo. O juiz exige que o WhatsApp divulgue dados sigilosos de conversas pelo aplicativo que poderiam auxiliar na investigação sobre um esquema internacional de tráfico de drogas.

O Facebook – dono do WhatsApp e representante do aplicativo no Brasil – diz, no entanto, que não é capaz de atender às solicitações da justiça brasileira, já que ela não armazena dados em seus servidores. Recusando-se a cooperar nos termos que a Justiça exige, a empresa acabou punida tendo seus serviços suspensos.

O fato de não armazenar os dados em seus servidores é apenas uma parte da história. O WhatsApp também aplica criptografia de ponta-a-ponta em todas as mensagens do serviço, o que significa que, mesmo se elas fossem armazenadas, não seria possível compreendê-las. Nesse caso, especialistas em direito digital ouvidos pelo Olhar Digital concordam: bloquear o app é um exagero.

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“Trata-se de uma decisão desproporcional, tendo em vista os objetivos do processo penal do qual se originou a ordem do bloqueio”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. “Independentemente do motivo, é ilegal e pune os usuários sob todos os aspectos.”

Semelhante é a opinião de Adriano Mendes, especialista em direito digital e sócio do escritório Assis e Mendes Advogados. De acordo com ele, casos como esse podem continuar acontecendo, tanto por conta da própria empresa – que não tem como entregar o que a Justiça pede – quanto pelo sistema judiciário – que não pode deixar que uma ordem seja descumprida sem que sejam aplicadas as devidas sanções.

“O Brasil está no caminho errado”, ele diz. “Em vez de assinar um tratado de cooperação internacional, como a Convenção de Budapeste, continuamos vivendo num ambiente tão perigoso quanto o de espionagem promovido pela NSA [Agência Nacional de Segurança dos EUA] contra cidadãos do mundo inteiro pela internet”, continua.

Ainda segundo o advogado, existem outras maneiras de coletar dados de empresas de telecomunicações em investigações sigilosas. “Em vez de exigir informações sobre conversas no WhatsApp, um juiz pode pedir que as operadoras entreguem horários de ligações, informações de geolocalização, etc.”, diz.

Medidas legais

Quando o WhatsApp foi bloqueado no ano passado, uma liminar suspendeu a ordem judicial e liberou o app antes do fim do prazo determinado pelo juiz, que era de 48 horas. Por que, então, essa mesma medida foi adotada novamente? O advogado Victor Auilo Haikal, especializado em direito digital, tem a explicação.

“No nosso sistema jurídico as situações excepcionais devem ser tratadas caso a caso, salvo se fosse súmula vinculante pela repetição de casos e repercussão gerla (Supremo Tribunal Federal) ou comando expresso de lei”, diz Victor. Em outras palavras, aquela liminar só valeu para aquele bloqueio em específico. Uma solução permanente teria que vir de uma ordem do STF ou por meio de uma lei federal.

O advogado, porém, coloca na balança a postura do juiz que determinou o bloqueio do aplicativo dessa vez. “A liberdade do sistema jurídico permite aos juízes decisões mais ponderadas e adequadas conforme o caso, embora aconteçam algumas situações difíceis de lidar”, ele diz.

Mas para Adriano Mender, suspender o app é como “cortar a água do bairro todo porque um morador deixou de pagar a conta”. Na opinião do advogado, o bloqueio deverá ser suspenso antes do fim das 72 horas previstas pela ordem judicial, mas a atitude do juiz, de qualquer maneira, não fará com que seu processo tenha qualquer avanço.

“O juiz sabe que mesmo bloqueando o aplicativo, os dados que ele exige não serão entregues. Mas ele tem a pena e a marreta na mão, e não pode deixar que uma empresa descumpra uma ordem da Justiça. O problema não é nem o juiz e nem o WhatsApp: o problema é a nossa legislação ser falha”, pondera.