Há anos o público gamer espera que Hollywood olhe para os jogos de videogame e veja mais do que propriedades intelectuais prontas para serem exploradas. Foram muitas as chances que a indústria desperdiçou ao tentar adaptar games ao cinema, em produções de mal gosto ou extremamente distantes do material original.

Com “Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos”, filme que estreia nesta quinta-feira, 2, no Brasil, os fãs podem finalmente respirar aliviados. A história conta o início da interminável guerra entre humanos e orcs no reino de Azeroth. De um lado, o general Anduin Lothar quer proteger seu povo da invasão de criaturas desconhecidas, enquanto, do outro lado, o orc Durotan tenta livrar seu clã da opressão de um tirano.

Assim como nos games o jogador escolhe de qual lado quer ficar, o filme sustenta essa ambiguidade na narrativa de modo que não há um “certo” e um “errado” na guerra entre humanos e orcs. Ambos defendem seus ideais e lutam com todas as forças por eles, respeitando um dos conceitos mais básicos no “lore” dos games originais da Blizzard.

Fidelidade, aliás, é a palavra-chave na adaptação de qualquer obra, seja de games, livros ou quadrinhos. Em “Warcraft”, o diretor Duncan Jones (que também fez a ficção-científica “Lunar”) prova ser fã dos jogos e respeita muitos dos elementos que constituem o cânone e a mitologia do universo do RPG.

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Há espaço, porém, para algumas mudanças pontuais. Alguns personagens tem origens diferentes ou funções alteradas dentro da trama, mas, em um geral, a essência da história foi preservada. Há ainda muitas referências, easter eggs e outras pequenas homenagens aos games que os fãs da série devem reconhecer de prontidão.

Nesse ponto, porém, “Warcraft” encontra seu principal defeito. O filme não tem paciência para dar ao espectador mais detalhes sobre aquele universo, apresentá-lo aos diferentes cenários, personagens e mitologias. Falta uma introdução menos acelerada, que, embora não estrague a experiência de quem já jogou os games, pode assustar os “não-iniciados”.

De qualquer maneira, mesmo com o excesso de informação apressada, o roteiro é coeso e linear, de modo que não é tão difícil entender do que se trata aquele universo – desde que você preste bastante atenção. Há muito espaço para que futuros filmes explorem melhor conceitos e referências que foram apenas “jogadas” nessa primeira parte da história, inclusive.

Mas enquanto a adaptação do cânone é feita com cuidado e precisão, o desenvolvimento dos personagens parece ter sido a menor das preocupações dos roteiristas. É quase impossível sentir alguma empatia pelos heróis em “Warcraft”. Como a trama se desenrola muito rapidamente, não sobra tempo para conhecermos melhor os habitantes daquele mundo e nos identificarmos com seus dramas e suas jornadas.

Por conta disso, romances e tragédias não têm peso emocional algum. Trata-se de uma abordagem diferente da de outras fantasias épicas do cinema, como “O Senhor dos Anéis”, que se preocupa em nos envolver com os personagens e suas motivações. Em “Warcraft”, os heróis e vilões são quase descartáveis – como avatares em um RPG online.

A ação, no entanto, é impressionante. As batalhas são muito bem coreografadas, com movimentos que lembram alguns dos golpes de personagens do jogo. A tecnologia usada para criar os orcs em computação gráfica passa muita credibilidade, fazendo com que o filme não pareça um mar de telas verdes e bonecos 3D artificiais. Há tantos detalhes no design de produção, nos cenários, figurinos e no CG que o que vemos na tela nos deixa a impressão de que tudo foi filmado para valer – até os orcs.

Reprodução

Mas embora tenha um respeito louvável pelo material original, “Warcraft” parece se preocupar mais com os fãs do que com o público leigo. A decisão pode acabar se tornando um equívoco se os planos da produtora Universal Pictures forem de transformar o filme em uma franquia com mais capítulos.

Afinal, a produção custou mais de US$ 160 milhões – um valor alto para filmes baseados em games. E, como sabemos, não são só os fãs inveterados da Blizzard que sustentam bilheterias. Se o público em geral não comprar a ideia de “Warcraft” e não demonstrar interesse por mais filmes, é possível que a guerra entre humanos e orcs acabe no cinema logo após a primeira batalha.

Terá valido a pena sacrificar uma produção mais palatável em nome do respeito aos fãs do game? O tempo dirá. Mas independentemente do sucesso ou do fracasso comercial do filme, é preciso comemorar. “Warcraft” prova que é possível fazer uma adaptação de games de qualidade e que honre o material original em sua essência.