Com regras confusas, manter uma empresa 100% legalizada em relação a licenças de software não é tarefa fácil. Muito mais do que instrumento para proteger a suposta propriedade intelectual, as complexas licenças desempenham outras funções que afetam nossas vidas de maneira mais profunda do que nos faz pensar o senso comum.

Em tese, assim como as patentes, as licenças alegam proteger e incentivar o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Na prática, fazem exatamente o oposto do que pregam. Funcionam como instrumentos para manutenção de monopólios e, em muitos casos, como barreiras para o desenvolvimento do que diziam proteger.

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Pesquisa e desenvolvimento são atividades de alto risco e com retorno de longo prazo. A iniciativa privada, no máximo, investe a médio prazo (poucos anos). É bastante razoável afirmar que todo investimento em pesquisa venha do setor público através da educação como um todo, investimentos em pesquisas nas universidades e também ao contratar a iniciativa privada. Nos EUA, praticamente todas as tecnologias desenvolvidas tiveram origem em algum projeto militar.

Se o investimento é público, de quem, realmente, é a tal propriedade intelectual?

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O Software Livre, em certa medida, foi uma reação a lógica onde o investimento público é apropriado por alguns poucos privilegiados. Os que ficaram de fora reagiram tornando público aquilo o que os poucos privilegiados protegem com licenças.

O leitor pode pensar, mas o sistema operacional DOS não era um projeto militar e foi o ponto de partida de uma das maiores empresas do mundo. Sim, é verdade. Porém, essa empresa tornou-se a maior a partir de uma lógica de monopólio que só foi possível devido a cobertura fornecida pelo governo dos EUA. Pense comigo, quais são as 10 maiores empresas de software do mundo? São todas dos EUA, certo? Podemos afirmar que os programadores e empresários de lá são melhores que o resto do mundo?

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Vejamos o caso do Brasil: há décadas, o governo brasileiro, somente o governo, vem gastando bilhões de reais a título de licenças de software concentrados em um grupo muito restrito de empresas. Desse grupo, a maior parte vai para os EUA. Em 2015, essa cifra alcançou 3 bilhões. Notem que nenhum produto foi adquirido e nenhum serviço foi prestado.

Com esses valores, o país poderia ter desenvolvido, com folga, sua própria versão dos respectivos softwares. Por que não fez? A resposta não é simples, existem vários motivos.

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Um deles é a política de manter o máximo possível de segredo quanto às especificações dos formatos de documentos e protocolos de comunicação. Se cada empresa, ou mesmo país, criar o próprio formato de arquivo ou protocolo, ninguém vai falar com ninguém. Comitês normativos (ABNT, IEEE, W3C, ANSI…) existem para atender esse tipo de demanda. Porém, são lentos e fortemente influenciados, justamente, pelas empresas que não têm interesse em desenvolver essas demandas.

Tem mais, a licença também pode servir de pretexto para interferir na soberania de um país ou mesmo como arma em uma guerra comercial. Em 2012, a EMBRAER, empresa brasileira líder mundial na fabricação de aviões comerciais de médio porte, vinha avançando as vendas no mercado interno dos EUA. Até que, surge uma acusação de que ela estaria fazendo uso de softwares não licenciados, vulgo piratas, em suas plantas no Brasil. A empresa negou. Entretanto, para continuar realizando vendas nos EUA, ela foi obrigada a se submeter a uma auditoria que apontou supostas irregularidades e, no fim, acabou gerando uma multa de 10 milhões de dólares. Hoje, a EMBRAER está sendo negociada e pode acabar sendo entregue para a Boeing.

Além de todo o exposto até aqui, ainda tem um detalhe que sempre me incomodou. É que nós, usuários de software, somos tratados como criminosos em potencial. Isto é, para a empresa de software, o usuário não desfruta da presunção de inocência, um dos pilares do estado de direito. É isso mesmo, sugiro que o leitor abra um software proprietário e vá até o menu “about” ou “sobre” e veja, com seus próprios olhos, a ameaça que eles fazem lá.