Em 2019, a Web fez 30 anos e, desde então, o mercado de mídia e conteúdo mudou drasticamente. Isso é extremamente chocante se imaginarmos que da invenção da imprensa até a chegada da rádio e da televisão foram necessários praticamente cinco séculos. Ou seja, a transição do negócio de mídia tradicional para digital se deu de forma muito acelerada com a criação da World Wide Web e possibilitou que empresas como o Google e o Facebook fizessem ruir impérios midiáticos. Como consequência disso, quase que sem entender o que está acontecendo, estamos buscando “zipar” cinco séculos em 30 anos e acabamos esbarrando com os Artigos 15 e 17 da Diretiva de Direitos Autorais da União Europeia (EU).

Nesta semana, um total de 19 membros do Conselho Europeu, incluindo França e Alemanha, votaram a favor das mudanças feitas na proposta de reforma da lei de direitos autorais da Europa, que está em discussão desde 2016. Agora, os países que fazem parte da EU têm 24 meses para aplicar a diretiva às legislações nacionais.

Porém, antes de chegar até aqui, tivemos algumas polêmicas. Isso porque segundo os defensores dessa diretiva, a reforma deve adequar os direitos autorais à Internet. Contudo, do outro lado, os opositores se mobilizam contra dois artigos específicos do projeto de lei.

Um deles é o antigo Artigo 13, que na versão atual responde por Artigo 17, e se refere a plataformas como o Youtube que, assim que a lei passar a valer, terá que obter a permissão dos proprietários dos direitos autorais para, por exemplo, vídeos de música hospedados pelos usuários da plataforma, caso estes utilizarem algum material sem autorização prévia. Isso torna o Google responsável, logo, a gigante das buscas teria que pagar pela licença de uso do conteúdo.

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O Artigo 17 está sendo chamado de “filtros de upload” pelos críticos, que acreditam que este tipo de controle levará à censura da rede. Além disso, outra queixa é a de que seria impossível, especialmente para plataformas menores, obter todas as licenças. Em relação a última crítica, no entanto, a redação final do Artigo 17 indica que empresas pequenas têm obrigações mais brandas do que gigantes como o YouTube.

O segundo tópico da Diretiva, publicado primeiramente como Artigo 11, e tornado agora Artigo 15, também conhecido como a lei do “imposto de link”, trata especificamente da distribuição de conteúdo jornalístico, produzido por sites de notícias, jornais e emissoras de TV, através da Internet. Ou seja, a plataforma que reproduzir reportagens ou notícias pode ser obrigada a pagar uma taxa para o veículo que publicou o conteúdo originalmente. Isso obrigará empresas como o Google e o Facebook a pagar por cada link de um site de notícias que aparecer em suas plataformas.

Como muito bem explicado pelo meu colega Lucas Carvalho, neste guia sobre a Diretiva de Direitos Autorais da EU, se você compartilhar o link desta matéria que está lendo agora no Facebook, a rede social deveria pagar ao Olhar Digital pelo compartilhamento. Se você encontrar esta matéria numa busca do Google, a gigante das buscas também teria que pagar ao site por isso.

Entre os críticos deste Projeto estão especialistas em mídia e Internet, ativistas e nomes realmente importantes da indústria, como Jimmy Wales, fundador da Wikipédia, Tim Berners-Lee, considerado o “pai da Internet”, e Mitchell Baker, presidente da Mozilla.

Reprodução

Mensagem da GEMA, na Alemanha, antes da assinatura de um acordo com o Google

A questão é que, após a criação do buscador do Google, a rede mundial de computadores deixou de ser um local mais democrático. Se pensarmos que o Google é hoje o maior motor de buscas da Internet e que controla a indexação de conteúdo na Surface Web, não podemos realmente fechar os olhos para o monopólio cada vez maior da chamada “gigante da tecnologia”. Bem como para as suas concorrentes, como Facebook, que domina a área de redes sociais e também foi bastante citada durante todo o processo de análise da Lei de Direitos Autorais.

O problema é que os parlamentares da União Europeia, no afã de cortar as arestas destas empresas que vivem da exploração dos dados dos usuários, acabam negligenciando o futuro de pequenas e médias empresas. Sinceramente, não se trata apenas de terminar com os Memes da Internet, que aliás, irão continuar sendo criados e amparados enquanto paródia. Não sejamos hipócritas, a questão aqui é punir e controlar Google e Facebook, que destronaram os grandes conglomerados de mídia e distribuidoras de música e filme. Além disso, no meio do caminho, serviram de apoio para que empresas disruptivas pudessem se consolidar, tais como Netflix, Spotify, Uber, AirBnB e tantas outras.

Não vou entrar no mérito sobre a necessidade ou não de controle destas companhias, porém, quando parlamentares europeus agem desta forma, acabam afetando ainda mais o mercado do que beneficiando. E isso é uma característica dos governos do velho mundo, que aprendi em nove anos morando na Alemanha: punir para controlar.

Para se ter uma ideia, várias são as formas de controle sobre direitos autorais na Alemanha, mas a mais marcante é a atuação da GEMA (Gesellschaft für Musikalische Aufführungs- und Mechanische Vervielfältigungsrechte). Na melhor das traduções, essa seria a Sociedade de Performance Musical e Direitos de Reprodução Mecânica que controla e bloqueia o conteúdo da reprodução de vídeos no país. Em outras palavras, se um vídeo infringe os direitos autorais de artistas protegidos pela GEMA, por exemplo, este será bloqueado e toda a vez que as pessoas quiserem assisti-lo aparecerá uma imagem dizendo que o vídeo está em desacordo com os termos de uso da GEMA. Mais do que isso, caso você faça o download de uma música protegida, terá que pagar uma multa de mil euros ou mais à GEMA.

Mas o pior de tudo é que, como o serviço é baseado em geolocalização, com o auxílio de uma VPN, é possível burlar este sistema. Contudo, devo admitir que, na maioria dos casos, acabou por diminuir a pirataria no país, afinal de contas, ter que pagar cerca de 4.410 reais por download ilegal é um bom incentivo, correto?

Agindo desta forma, a GEMA chegou a bloquear algo em torno de 61,5% dos 1.000 videoclipes mais exibidos do YouTube na Alemanha. E é claro que o Google teve que intervir para que o serviço não fosse descontinuado no país. Assim, em outubro de 2016, as duas empresas entraram em um acordo em relação aos termos de uso dos vídeos protegidos pela GEMA, o preço deste acordo nunca foi divulgado. Contudo, outras plataformas – menores em sua maioria – possivelmente ainda sofrem com este tipo de bloqueio.

Pegando o exemplo da Alemanha, percebemos que tudo é uma questão de “acordos”. É claro que a União Europeia quer que Google e Facebook passem a ter mais responsabilidades sobre as suas plataformas e, quem sabe, realizar acordos comerciais com empresas que hoje se veem afetadas e negligenciadas pelo conteúdo que vagueia nestes dois grandes canais. A questão é o que acontecerá com as pequenas e médias companhias? De acordo com o texto dos Artigos 15 e 17, as regras serão mais brandas, contudo, não estabelece claramente quão brandas serão.

Por fim, um movimento positivo que vem sendo analisado por alguns ativistas alemães em relação à aprovação da Diretiva de Direitos Autorais da EU é que, apesar da forma como foi criada, estamos estabelecendo um diálogo e uma discussão maior sobre a atuação das grandes empresas de tecnologia no continente europeu (e no mundo), bem como promovendo a alfabetização midiática. Em entrevista ao canal ZDF, o sociólogo Volker Grassmuck falou um pouco sobre a importância dos criadores de conteúdo estarem comprometidos com seus interesses econômicos para além do lobby do Google: “os usuários do YouTube ainda não têm um sindicato, apenas alguns votos individuais em seus canais. Eles agora estão descobrindo a rua para expressar suas opiniões.”

Com a aprovação do projeto, precisamos parar de pontuar que a lei de direitos autorais vai acabar com a Internet, pois é importante que comecemos a encontrar soluções para que isso não aconteça e encarar que essa será nossa realidade daqui para frente. Assim como aconteceu com o caso da GEMA, na Alemanha, o Google sabe como superar desafios através de acordos, mas e nós?