Antes de mais nada, para quem pretende falar sobre simplificação de linguagem, o título do artigo não começa lá muito bem. Foi proposital, preciso dizer.

Acerca do tema, a ideia aqui é nos despirmos de costumes incutidos em nossa cabeça ao longo da graduação e vida profissional e analisar a simplificação da redação contratual e suas repercussões sobre a implantação de ferramentas de tecnologia que, certamente, irão transformar vidas e rotinas dos advogados em um prazo curtíssimo de tempo.

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É interessante verificar o quanto a tecnologia aplicada aos contratos, em suas diversas variáveis, demonstra cada vez mais que o caminho de implantação de um determinado sistema deve se iniciar do básico. Isto é, da forma como a estrutura do contrato, sua redação e lógica aplicadas vão interferir na forma (e na possibilidade) das ferramentas de inteligência artificial analisarem, compilarem ou mesmo identificarem de maneira adequada o que de fato está ali escrito.

As ferramentas de Inteligência Artificial (IA) nesse caso foram desenvolvidas para processar a linguagem natural, não sendo precisas para termos abstratos, subjetivos ou mesmo expressões não tangíveis.

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Na área contratual, as ferramentas de IA atuais trazem em regra os seguintes elementos: Revisão de Contratos, Gerenciamento de solicitações, Padronização de redação, Análise, Due Dilligencee e Extraction, que assim como as outras possui uma característica específica. Nesse caso, a extração de informações específicas e compilação em uma base/formato pré-determinada pelo usuário.

E qual a razão direta para abordarmos essas questões em um artigo cuja essência envolve a simplificação da redação contratual?

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Pelo simples fato de que os algoritmos responsáveis pela identificação e compilação de dados, independente do elemento analítico proposto, têm uma enorme ‘dificuldade’ em entender as redundâncias inseridas nos contratos, constatação que atinge diretamente o tempo de implantação de um determinado sistema ou a sua própria viabilidade funcional.

O ‘legalêsé contra-intuitivo e passa longe de uma linguagem que podemos definir como natural.

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Dando um passo atrás, não se trata somente de constatar que os sistemas de IA tem na linguagem jurídica um desafio grandioso.

Por não serem redigidos necessariamente para o seu destinatário final, os contratos são elaborados com uma série de arcaísmos, redundâncias, dentre outros recursos que criam uma distância considerável entre as partes envolvidas, o contexto efetivo de contratação e a entrega efetivamente desejada pelas Partes.

Na obra denominada ‘A Manual of Style for Contract Drafting’, o Professor Kenneth Adams leciona que ‘uma característica da redação tradicional de contratos é se basear em três tipos de termos legais falhos: os desnecessários, os improvisados e aqueles que são demasiadamente complexos’. (tradução livre).

Achei interessante a abordagem na medida em que chama tais termos legais de inúteis, mencionando ainda que trocar tais expressões não só torna a vida do leitor mais fácil, mas também pode fazer o redator do contrato concluir que, muito embora possa sugerir profissionalismo, tais vícios ensejam uma dispersão da real intenção da contratação.

A simplificação sugerida implica na elaboração e entrega do contrato para quem de fato o solicitou, fator ao qual ainda pode ser agregada a constatação de que a ferramenta de gerenciamento de contratos que você ou sua empresa pretende adquirir (ou já adquiriu) poderá ‘entender’ de maneira mais efetiva a realidade exposta naquele instrumento contratual.

A propósito da afirmação acima, é oportuno destacar que o entendimento da linguagem escrita pela máquina ou, em linguagem mais técnica, o Processamento de Linguagem Natural (Natural Processing Language – NLP) é muito mais amplo do que simplesmente fazer uma redação menos complicada (merecendo inclusive abordagem em artigo específico). De toda forma, é razoável afirmarmos que uma redação mais objetiva e menos suscetível a interpretações é, sim, um fator oportuno a ser pensado e aplicado nesse momento, pois em última análise irá tornar a minuta mais inteligível às partes contratantes, o que já representa um ganho considerável.

Em obra intitulada ‘O Algoritmo Mestre’, indicada pela querida amiga Lucilene Prado, o autor Pedro Domingos faz um afirmação interessante sobre o processo de aprendizado dos computadores, ou machine learning, como preferirem: ‘Aprender é esquecer os detalhes e, ao mesmo tempo, lembrar as partes importantes. Os computadores são esse tipo de sábio idiota: podem se lembrar de tudo, mas não é isso que queremos que façam’.

Fato é que não vai haver mecanismo de tecnologia fácil, prático e de fácil implantação no ambiente de contratos se não começarmos a dar os primeiros passos no sentido de simplificar a linguagem inserida em nossas minutas, tornar mais efetiva e célere as análises, discutindo o que de fato importa e, porque não, inverter conceitos básicos como a perspectiva de análise e desenvolvimento das nossas minutas.

Sem esses passos iniciais, a implantação de um sistema que analise, elabore e/ou revise contratos deixará a realidade do machine learning aplicado à área de contratos mais distante.

Tomo a liberdade de fazer uma provocação. Porque não partir da ótica do cliente para somente em seguida imputar os detalhes legais necessários? Moldar o objeto contratado a partir da lógica comercial e, a partir daí, iniciar o processo de estruturação jurídica pode ser um bom começo.

Há muito o que se discutir sobre o tema, mas mais do que nunca vê-se que o caminho da evolução passa por questões relativamente simples como a mudança de conceitos da nossa rotina e da simplificação de atos burocráticos, que podem começar com a redução do número de páginas da minuta mais usada pelo nosso departamento ou mesmo pela melhoria no fluxo de interações de nossos clientes conosco.


*esse artigo foi escrito em parceria com Gustavo Quedevez, sócios do BVA Advogados