A parceria entre tecnologia e futebol tem feito muito barulho, principalmente com a introdução recente (e ainda polêmica) do árbitro de vídeo em algumas competições pelo mundo. No entanto, também é enorme a evolução dessa amizade para além das quatro linhas. O big data, conceito que define a prática de se aproveitar de um volume gigantesco de dados para tomar decisões auxiliadas por softwares de análise, por exemplo, vem conquistando um espaço cada vez mais relevante dentro dos clubes, sendo um ajudante de peso na tomada de decisões táticas, técnicas, médicas e de mercado.

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Eficiência das finalizações, desarmes bem-sucedidos, movimentação pelo campo, duelos aéreos vencidos. Muitas plataformas reúnem estes e outros milhares de dados de forma quantitativa para prospectar e analisar atletas, sendo a OptaData e a Wyscout (imagem acima) as mais aplicadas em âmbito global. A última, inclusive, é disponibilizada pela CBF e por algumas Federações para os clubes brasileiros, e conta com um sistema integrado de análises em vídeo, com cobertura para mais de 250 competições.

Os olheiros não precisam mais se deslocar para observar um atleta, e também têm mais meios para descobrir um talento além dos famigerados DVDs com jogadas bonitas. Os softwares de hoje registram o histórico do jogador para formular o seu perfil de ação, movimentação e condição física, aliando isso a ferramentas sofisticadas de edição de vídeo e filtragem. Alguns modelos até usam a matemática para transformar essas informações em análises qualitativas. O site CIES Football Observatory, por exemplo, possui um sistema de notas para os atletas. Sua metodologia leva em conta as ações dos jogadores nos últimos mil minutos em campo pelas cinco principais ligas da Europa.

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E como traduzir essa coletânea de dados em algo concreto para diretoria e comissão técnica? Nos clubes, os responsáveis por isso são os analistas de desempenho, uma profissão em alta no mercado do futebol. “Ainda não temos um modelo eficiente de descrição do jogo, ainda são dados superficiais. Eles precisam ser suportados por uma análise subjetiva mais profunda”, explica Renê Drezner, pesquisador do Esporte pela Universidade de São Paulo.

Luís Hoenen é analista de desempenho do São Caetano, e explica que o seu trabalho possui quatro frentes: “análise dos adversários, da própria equipe, do treino e do mercado”. Na equipe do ABC Paulista, Luís conta com o Wyscout e o InStat Scout, mas também faz uso de ferramentas gratuitas, como Excel e MovieMaker para rastrear a performance de atletas. “A gente sempre procura disponibilizar todas as informações que a diretoria e a comissão técnica necessitam sobre os jogadores, para minimizar o erro em busca da contratação.”

Durante o curto período em que trabalhou no Vasco da Gama, o professor universitário Vitor Principe tentou aplicar um método próximo ao que se faz no beisebol. Na função de cientista de dados, ele uniu suas formações em Educação Física e Matemática para adicionar os dados a um algoritmo de ranqueamento. Em 2018, antes do início do Campeonato Brasileiro, Vitor e o analista Gabriel Daiha vasculharam os torneios estaduais e elaboraram uma série de relatórios para buscar reforços. Este aqui, por exemplo, estuda os zagueiros do Campeonato Gaúcho (os nomes foram ocultados por conterem informações sigilosas).

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Este trabalho, porém, ainda está em construção no futebol brasileiro. Os clubes possuem os dados e, agora, caminham para melhorar o nível dos seus Departamentos de Análise e tornar a tecnologia mais influente nas ações estratégicas. As decisões de mercado, normalmente, passam por um trio: analista de mercado, treinador e diretor de futebol, que levam a análise qualitativa do jogador a outra esfera. Mas são cada vez mais frequentes os bons frutos desta parceria. Um exemplo recente é o do zagueiro espanhol Pablo Marí, contratado pelo Flamengo via indicação do seu Centro de Inteligência e Mercado.

Ainda tem muito a evoluir 

Quando falamos em dados no esporte, é natural vir à mente o filme “Moneyball”, que narra a trajetória de sucesso do gerente Billy Beane à frente do Oakland Athletics, time de beisebol dos Estados Unidos. A lógica parece muito simples: enxergar o esporte matematicamente para obter o melhor desempenho. Com o futebol, porém, é preciso levar em conta que as plataformas são relativamente novas. Não só no beisebol, como no basquete e futebol americano, os dados são empregados há muito mais tempo.

Os clubes ainda estão se habituando a lidar com tantas informações, isto é, gerir essa base de dados internamente e expandir seus benefícios para mais áreas, como as categorias de base. Aqui entram os softwares de análise de dados, como a ferramenta Sports One, da SAP, que é utilizada por equipes como o Bayern de Munique e o Manchester City com esse intuito.

“Com a profissionalização do esporte, isso começa a ficar cada vez mais crítico. É preciso usar os dados para ter um bom desempenho dentro e fora de campo”, explica Denis Tassitano, diretor da SAP no Brasil. A aplicação na nuvem foi lançada no país no ano passado – até o momento, o Flamengo é o único cliente nacional.

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Também existem as dificuldades únicas do próprio futebol: sim, o futebol é muito complexo! “No basquete, por exemplo, cada posse de bola tem um índice de conversão em arremesso de 70%, 80%. No futebol, só 10% das posses de bola resultam em finalização. Então as estatísticas mais comuns – como o passe – se perdem um pouco. Um passe é muito diferente do outro. No futebol, tem muita ação sem bola acontecendo”, explica Renê. É justamente neste ponto que o rastreamento dos jogadores deve evoluir nos próximos anos.

Vitor, que escreveu um livro sobre o assunto, complementa: “O que temos ali são dados de comportamento do atleta. São importantes mas pertencem a um contexto. O que temos que entender na análise é onde estão as perturbações, que podem vir de um erro individual ou de algo coletivo”, afirma Vitor. Essas perturbações seriam os eventos de desorganização defensiva do adversário que geram chances de gol, que ainda não são formalizados nos dados.

Além das limitações técnicas, a resistência cultural ainda é grande, como um todo, para aceitar a tecnologia no futebol. Quem acompanha o time de coração sabe que as contratações dificilmente seguem uma lógica – e que as negociações não são exatamente transparentes. Porém, pode ser que cenas como esta abaixo, do Real Bétis, da Espanha, explicando a opção em assinar com o argentino Lo Celso, sejam comuns em um futuro próximo.

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Em 2017, a Olhar Digital visitou os centros de treinamento do Corinthians e do Palmeiras para verificar como a tecnologia dos dados é aplicada nos clubes. Confira o vídeo!

Editado por Renato Santino