Sempre que nos deparamos com um filme baseado numa história real, ficamos imaginando o quanto de exagero se colocou para dramatizar as situações, o quanto de liberdades poéticas tiveram de ser feitas para acomodar os clichês típicos das produções de prestígio hollywoodianas, e também, o que poucos pensam, como os detalhes mais absurdos que aconteceram de fato foram evitados ou atenuados para que ninguém desconfiasse de uma possível adulteração da realidade.

Em Ford vs. Ferrari encontramos novamente essas questões. De um lado, romantiza-se tudo para criar empatia com os personagens. De outro, faz-se o possível para driblar acontecimentos reais que não pareçam possíveis aos olhos do público. Matt Damon e Christian Bale são os astros do filme.

Damon interpreta Carroll Shelby, o único americano que havia sido campeão das 24 horas de Le Mans, mas foi obrigado a parar de correr por causa de um sério problema cardíaco. Tornou-se, então, construtor e vendedor de carros. Bale é Ken Miles, o mecânico e piloto extremamente talentoso, mas de gênio complicadíssimo. O primeiro é contratado pela Ford para desenvolver um carro de corrida capaz de vencer em Le Mans. Ele, por sua vez, contrata o segundo, que vê como o único piloto capaz de levar o troféu para os EUA, tendo que por isso brigar com seus superiores para fazer valer o talento do corredor, a despeito de sua personalidade dura.

Mangold já foi um diretor com pretensões mais autorais, à época de Copland (1998), policial existencialista com Sylvester Stallone, e começou a tentar um caminho do meio com o suspense Identidade (2003), que precisa ser revisto, e o musical Johnny e June (2005), até que capitulou à possibilidade de altas bilheterias com Wolverine Imortal (2013), prosseguindo na mesma toada com Logan (2017). Seu melhor filme, contudo, é um exercício no western, uma atualização do excelente Galante e Sanguinário (1957), de Delmer Daves, refilmagem que por aqui se chamou Os Indomáveis (2007 – no original, ambos se chamam 3:10 to Yuma).

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Em Ford vs. Ferrari, tem o grande mérito de nos levar durante duas horas e meia sem que consigamos perceber que o tempo passou. A maneira como o tempo passa dentro do filme, aliás, é outro achado narrativo, graças a elipses muito bem inseridas ao longo da trama. Outro mérito é o de ter extraído uma excelente interpretação de Matt Damon, além de fazer brilhar boa parte do elenco secundário. Já Christian Bale, ator de possibilidades estratosféricas, está exagerado como Ken Miles, fazendo caras e bocas para caracterizá-lo como um matuto.

Os dois amigos são muito parecidos, e dão o seu melhor. Mas veem confirmadas as suspeitas de que o pessoal do dinheiro, pouco afeito a humanidades, farão de tudo para explorá-los, jogando fora o caroço assim que puderem. É mais um filme, entre inúmeros outros, a mostrar, de dentro, como a sociedade americana pode ser injusta com seus verdadeiros heróis.