Não é só de Roma e O Irlandês que vive a parte da Netflix que corre atrás de prestígio artístico. Há também o senegalês Atlantique, dirigido por Mati Diop, que estreia em longa de ficção, em coprodução com a França.

Trata-se do velho tema do amor proibido, em que Ada (Mama Sane) está prometida para casar com Omar (Babacar Sylla), mas ama Suleiman (Ibrahima Traore). Este, por sua vez, sonha em mudar de vida, e olha para o mar como o caminho possível para isso.

publicidade

Questões como a manutenção da virgindade antes do casamento, a exploração de mão de obra por capitalistas inescrupulosos e o contraste social em uma grande cidade vêm à tona. Há também uma investigação policial levada a cabo de um modo aparentemente corriqueiro, em que o aventuroso (e o sinistro) invadem a trama de vez em quando provocando um curioso atrito.

No caso, estamos em Dakar, a bela capital do Senegal, em que construções modernas e ricas são erguidas com o trabalho pouco ou nada remunerado de trabalhadores. Suleiman é um deles, e não vê muito futuro em sua condição. Ele é mais um explorado do terceiro mundo, como tantos aqui no Brasil.

publicidade

A poesia faz parte do estilo da diretora. Mati Diop é sobrinha do grande diretor do Senegal, Djibril Diop Mambety, responsável por um dos grandes clássicos do cinema nos anos 1970, Touki Bouki –  A Viagem da Hiena (1973). Neste filme soberbo, um casal se via dividido entre as dificuldades da vida local e o sonho da construção de uma nova vida alhures.

O país mostrado em Atlantique é muito mais modernizado e urbano, um pouco pela modernização histórica, um pouco pelas opções nos ângulos de câmera, mas a delicadeza do olhar se alimenta de alguma influência da maneira como o tio Mambety movimentava a câmera e enquadrava seus personagens. A herança não deve ser superestimada, pois Mati Diop tem claramente uma assinatura pessoal. Mas também não deve ser subestimada, pois todo artista é herdeiro de alguma escola ou de algum outro artista (ou artistas).

publicidade

No mais, um filme que tem, logo no começo, a bela cena em que Ada e Suleiman se olham cada um de um lado da rua é um achado visual e poético que já nos faz querer ficar perto desses personagens, acompanhar seus destinos. E por falar em destino, o futuro pertence a Ada.