Este texto não é uma resenha sobre o novo longa da saga Star Wars, que, por sinal, tem sido destroçado por muitos críticos e até por alguns fãs. É sobre uma outra coisa, mais importante do que quaisquer palavras que eu pudesse dizer sobre Star Wars: A Ascensão Skywalker.

Tudo começou porque os fãs reclamaram do longa anterior, Os Últimos Jedi, porque seu diretor, Rian Johnson, teria tomado algumas liberdades com relação ao imaginário Star Wars. J.J. Abrams, diretor de O Despertar da Força*, escolheu desfazer alguns caminhos traçados por Johnson para satisfazer os fãs.

Ao podcast Swing & Mrs, Rian Johnson comentou essa decisão, e reproduzo aqui o comentário na tradução do site Papo de Cinema:

“Acho que abordar qualquer processo criativo a partir disso (deixar os fãs felizes) seria um erro que provavelmente levaria a um resultado exatamente oposto. Se entro em algo, mesmo em algo que acredito querer, se vejo exatamente o que acho que desejo na tela, é como ‘ok, tudo bem.’ Isso pode me fazer sorrir e me deixar neutro sobre a coisa. E não pensarei mais sobre ela depois. E isso não vai me satisfazer. Quero ficar chocado, surpreso, ser pego com a guarda baixa. Quero que as coisas sejam contextualizadas de outras formas, desejo ser desafiado como um fã quando me acomodo no cinema. É isso o que espero toda vez que vou ao cinema para ter a experiência que tive com O Império Contra-Ataca, algo emocionalmente ressonante, que aparentemente se conecta e faz sentido, realmente entendendo o coração da coisa de uma maneira que eu nunca esperava”.

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Apesar de Johnson ter errado a mão no segundo longa da terceira trilogia, e de ter entregado um pouco do que ele mesmo critica em seu recente Entre Facas e Segredos, não é difícil dizer que nesse quesito ele tem toda a razão. 

Fãs querem mais do mesmo. Seguir a vontade dos fãs geralmente significa enterrar de vez qualquer possibilidade de inventar, ou seja, de fazer arte (já ultrapassamos a falsa questão “entretenimento vs arte”, certo?). O filme vira uma mera fórmula para consumo imediato. Pode até enganar alguns espectadores menos exigentes, mas jamais passará pelo crivo dos fãs com algum senso crítico (é contraditório, já que fãs não costumam ter senso crítico, mas quero acreditar que eles existam).

Mais grave ainda que J.J. Abrams, que já tinha dialogado (embora de maneira mais lúdica e audaciosa) com os longas da primeira trilogia da série, a iniciada nos anos 1970, em O Despertar da Força, tenha optado novamente por esse caminho fácil, desta vez sendo necessário desfazer algumas coisas que outro diretor havia feito, o que é bem questionável. E comete essa atitude justamente numa época em que a Netflix despeja centenas de produtos teleguiados pelos duvidosos algoritmos de sua plataforma, entregando filmes e séries sem qualquer vestígio de inovação.

A própria Netflix já se deu conta da armadilha em que se meteu e tenta sair dela, embora com muita timidez (seria necessário uns vinte O Irlandês por ano para que essa saída fosse possível num curto prazo). 

É uma pena que a terceira e última trilogia da saga criada por um visionário como Lucas (ainda que ele mesmo tenha sido cooptado pelas fórmulas de sucesso) termine desse jeito.

Vivemos num período anticrítica, em que a ideia de marketing contaminou quase todos os campos da criação (ao menos no que se convencionou a chamar de audiovisual). Se uma atitude dessas (querer agradar os fãs a todo custo) não for evitada ou ao menos questionada, a arte, que já é exceção, se tornará cada vez mais rara.

*(como não estou a serviço da Disney, não vou me obrigar a falar o nome da marca a toda hora que citar um filme pertencente a ela)