Percepções contraditórias comandam nossa visão sobre “O Escândalo”. Por um lado, Jay Roach parece atingir o objetivo primeiro de todo diretor sem grandes aspirações: ele se anula por completo, deixando que o texto e o elenco cuidem da narrativa. Por outro, o elenco, mais do que o texto, cuidam tão bem da narrativa que o resultado é um bom filme.

Filmes de atores ou atrizes não são raridade no cinema americano. Mas raramente são bem-sucedidos para além de uma única visão. Uma exceção exemplar recente é “Frost/Nixon”, em que Ron Howard deixa os atores brilharem, mas não deixa o feijão com arroz de sua direção desandar. No caso deste novo longa do diretor de “Entrando Numa Fria” (que é um belo filme, o melhor que dirigiu), temos quatro atrizes e um ator em estado de graça (o que é ainda mais raro), e uma direção que mal consegue fazer o feijão com arroz.

Se John Lithgow, Nicole Kidman e Charlize Theron já nos habituaram às suas grandes atuações em diversos filmes, e Margot Robbie tem brilhado já há alguns anos, mesmo em filmes ruins (ela estraçalha em “Esquadrão Suicida”, por exemplo), Kate McKinnon ainda não recebeu a atenção que merece. No entanto, ela está em pé de igualdade com as outras atrizes (e Lithgow, para ser justo, um pouco abaixo).

A melhor cena de “O Escândalo” dá conta do talento de Kate McKinnon, e de tabela ainda conta com uma atuação magistral de Robbie. Acontece depois que elas vão a um bar para uma happy hour e ficam bêbadas. O corte nos indica que elas tiveram uma boa noite de sexo. A personagem de McKinnon é lésbica. A de Robbie diz que não. As desculpas param aí, porque a cumplicidade delas na cama, conversando e rindo com soltura e graça, flagradas por uma câmera atenta (enfim, um mérito de Roach: entender que nessa cena a câmera precisava estar no mesmo diapasão de intimidade que elas demonstram) é que comandam esse momento que já pode figurar entre os melhores do cinema americano recente. É uma cena belíssima, e rara no cinema contemporâneo atual, porque parece abdicar de toda a importância que o tema do filme advoga para si em favor da alegria descompromissada das duas garotas no pós-sexo. É preciso contar com atrizes muito talentosas para atingir esse nível de naturalismo. E seria preciso um diretor muito incompetente para destruir nossa relação com o filme após essa cena.

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Não é o que acontece, felizmente. Se Roach usa uns tempos esquisitos porque precisa provar que é dinâmico (essa maldição dos nossos tempos) e se com isso sua direção por vezes pareça muito mais apressada do que deveria, servindo-se de zooms meio tolos, as atrizes, principalmente, seguram nosso interesse, e compensam a direção, que, exceto pela cena destacada no parágrafo acima, sucumbe aos tiques do cinema contemporâneo e, com isso, ao academicismo cinematográfico mais pernicioso de nossos tempos (há muitos, mas esse da direção pretensamente dinâmica me parece ser o pior).

Para sermos justos, nos créditos do filme deveria constar a seguinte inscrição: “A film by Nicole Kidman, Charlize Theron, Margot Robbie e Kate McKinnon”.