À pergunta que está no título desta série, devemos acrescentar outra: Onde está a crítica, nestes tempos de inflação de informação e deficiência de formação?

Ela raramente dá as caras em veículos com muitos leitores, como o Olhar Digital, os grandes jornais e os grandes portais. Simplesmente porque não é possível, nesses veículos, trabalhar com o filme inteiro, do começo ao fim, lidando com toda a sua estrutura. Não podemos contar o final, por exemplo, nem adiantar alguma resolução importante do enredo, então qualquer visão sobre qualquer filme tende a ser limitada por essa impossibilidade. Logo, a crítica tende a entrar apenas quando surge alguma ideia que ilumine a experiência do leitor após ele ter visto o mesmo filme. Ou quando há a possibilidade de lidar com o filme todo, com maior espaço (o que a internet possibilita) e sobre um filme que o leitor já viu.

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A crítica existe, decerto, em sites menores, revistas eletrônicas, por vezes sub-acadêmicas, frequentemente disfarçada em fórmulas de aceitação do gosto médio (que existe também na crítica), em que não é de bom tom falar mal ou bem de certas coisas, ou fórmulas para a aceitação de estudantes de cinema ou de outros críticos, o que provoca uma troca um tanto viciada por códigos partilhados por esses grupos. Então podemos dizer que, de fato, ela basicamente inexiste nessas condições.

Crítica envolve dedicação, atenção, paixão e lucidez, conforme já dissemos a partir de Jean Douchet, mas também maturação, clareza, objetividade de argumentos, facilidade de escrita, honestidade na postura (elogiar um filme para pegar bem com a galera ou não desagradar alguém é desonesto) e um certo estilo, porque como já vimos, a crítica, quando bem feita objetivamente e é movida por sentimentos verdadeiros, é também uma obra de arte.

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E se uma crítica pode ser uma obra de arte, ela é também cada vez mais rara, tão rara quanto os grandes filmes, porque não há tempo hábil para a maioria dos críticos desenvolverem suas ideias, e para a maioria dos editores ajudar nesse processo. O mundo hoje nos convida para uma corrida, e não nos é permitido recusar se queremos viver dentro de uma cidade.

Sempre é possível encontrar traços de crítica cinematográfica aqui e em outros veículos, num parágrafo mais livre, num insight bem colocado, numa escolha de palavras precisa e na revelação de um olhar independente, único, que possa se sobressair em algum momento do texto. Mas uma crítica acabada, uma obra de arte, um texto inteiro que possa ser chamado de crítica, é praticamente impossível num veículo que pretende ser saudável financeiramente falando.

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A crítica também não está na academia, porque lá ela é limitada por uma série de regras e pelo rigor científico, algo que não é necessariamente oposto à crítica, mas tende a amordaçá-la.

Que não se entenda com isso que menosprezo os textos daqui e de outros veículos por não se tratarem de críticas, a não ser por alguns lampejos esporádicos dentro deles. Creio que a resenha jornalística cumpre uma função importantíssima no contato mais direto com o leitor, e por isso não pode nem deve ser menosprezada. Sempre me orgulhei de tentar esse diálogo com um público amplo, na Folha, no UOL, no Cineclick, no Olhar Digital, e em outros eventuais veículos pelos quais passei, e o desafio é fazer isso tentando, ao mesmo tempo, chegar a uma escrita inteligente, que não menospreze o leitor, que o trate como um adulto e que ilumine, de algum modo, o objeto que motivou a crítica.

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Mas é bom entendermos o que é crítica, o que é resenha e o que é análise acadêmica. Se colocarmos tudo isso num mesmo pacote e chamarmos tudo de crítica, começamos a enterrar cada vez mais a verdadeira crítica, a crítica como obra de arte, até que ela desapareça definitivamente debaixo de tantos disfarces.

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema