O mundo das animações responde por certas características próprias, o que dá margem a pelo menos um grande equívoco: considerá-la uma arte mais baixa que a cinematográfica, pela ausência de atores e pela liberdade de se fazer o que se quer.

Um outro equívoco, embora de menor proporção, é essa ideia, tão difundida, de que a animação tem por obrigação fazer coisas que o cinema live action não poderia fazer. Ou seja, é o terreno em que a imaginação pode viajar mais confortavelmente, independentemente de efeitos especiais de última geração.

Podemos unir uma implicação contida no primeiro parágrafo a essa ideia do segundo e dizer: numa animação, não há necessidade de se encontrar o ator ideal para determinado papel. Desenha-se ele simplesmente. E pode até se desenhar um mau ator, se necessário à trama, como é o caso do rapaz Orel, que contracena com Dilili em “Dilili em Paris”. Um mau ator necessário para garantir o roubo de cena de quem realmente importa, a pequenina Dilili e os vilões, que o espectador logo reconhecerá pelos gestos e expressões faciais.

Na trama, situada na Paris da Belle Époque, a menina canaca Dilili precisa resolver uma série de raptos de crianças que ocorrem misteriosamente, e no processo encontra uma série de personagens curiosos como os pintores Toulouse-Lautrec, Modigliani, Renoir, o músico Debussy, entre outros notáveis das artes e da cultura da época. É um passeio delirante e divertido pela capital francesa de outra época o que nos proporciona este filme sempre agradável.

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Não temos atores de carne e osso nas mirabolantes cenas de aventura de “Dilili em Paris”, mas temos os mesmos problemas e as mesmas escolhas do cinema live action: enquadramento, duração dos planos, angulação da câmera, sucessão das imagens, ritmo impresso pela montagem, enfim, cinema.

Michel Ocelot, diretor desta mais recente animação europeia a estrear em nossos cinemas, é autor de “Kiriku e a Feiticeira” (1998), de suas continuações, “Kiriku e os Animais Selvagens” (2005) e “Kiriku, os Homens e as Mulheres” (2012), e de “Príncipes e Princesas” (2000), entre outros sucessos. São filmes que ultrapassaram a barreira dos costumes e encantaram plateias de todo o mundo, embora sem o alcance de uma Pixar ou da Disney (que antes não eram a mesma coisa).

É um diretor habituado a conseguir espectadores que não são tão adeptos assim da animação, e costuma falar a pessoas de todas as idades, embora com um didatismo que serve mais aos juvenis. Além disso, tem um gosto apurado para o uso das cores, e costuma temperar suas tramas infantis com imagens de incrível beleza plástica. Espera-se por isso mais um sucesso moderado, mas certeiro, com sua assinatura.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema