O vilarejo italiano de Vo’ Euganeo se tornou o palco de um experimento científico para entender qual o papel dos infectados assintomáticos pelo coronavírus na disseminação da Covid-19.

Tudo começou quando dois vizinhos, Adriano e Renato, foram internados com pneumonia em um hospital da região. Já que não apresentavam os sintomas típicos da Covid-19, os médicos descartaram a possibilidade de um exame para detectar a doença. Contudo, um dos profissionais decidiu burlar as regras e fez o teste, que deu positivo.

Até então, ninguém imaginaria que o bonito vilarejo se tornaria um gigante experimento, mas foi isso que aconteceu quando os médicos começaram a se questionar como ambos estavam com a doença se não tinham viajado à China e nem contato com alguém sintomático. A única coisa que se sabia era que os vizinhos haviam jogado cartas em um bar da região antes de serem internados com o diagnóstico de pneumonia.

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Alguns dias depois, em 19 de fevereiro, Adriano foi a primeira morte em decorrência do coronavírus na Itália. Na mesma noite, o prefeito de Vo’ Euganeo decretou quarentena geral no vilarejo. Logo depois, no dia 23 de fevereiro, a região foi isolada. Mas ainda não se sabia como o vírus tinha chegado por lá inicialmente, então os médicos tiveram a ideia analisar a saúde de todos os moradores que estivessem dispostos a fazer o teste para a doença.

Praticamente todos os habitantes aceitaram. “Isso não teria acontecido sem o espírito de colaboração de todos os vizinhos”, afirmou o prefeito do local. Dentre os voluntários, 89 testaram positivo para a Covid-19 e mais da metade dos contaminados não tinha apresentado sintomas. “Isso é algo que não havia acontecido em nenhuma das epidemias do século passado”, explicou Stefano Merigliano, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua, instituição que desenvolveu os kits para os exames.

“Ter essa porcentagem de infectados assintomáticos é perigosíssimo, porque essas pessoas seguem suas vidas habituais e infectam um número muito alto de pessoas”, acrescentou Andrea Crisanti, professor de Epidemiologia e Virologia do Hospital da Universidade de Pádua. Juntos, Merigliano e Crisanti propuseram ao governador de Vêneto que Vo’ Euganeo se tornasse um “laboratório experimental único no mundo” porque as condições ali eram inéditas para entender o comportamento do novo vírus.

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Com a permissão das autoridades, os pesquisadores começaram a monitorar todos os habitantes do vilarejo. “Havia uma amostra consistente de pessoas isoladas. Conhecíamos seu estado de saúde e podíamos controlar seus movimentos e com quem eles se relacionavam. Foi perfeito”, contou Merigliano.

Naquele momento, a Itália, que é o novo epicentro da Covid-19, registrava 4.636 infectados e 197 mortes, dos quais 542 casos confirmados estavam em Vo’ Euganeo. “Antes, havia apenas estimativas, sendo que conseguimos demonstrar cientificamente duas questões fundamentais: que o período de incubação do vírus é de duas semanas e que qualquer estratégia para conter essa pandemia deve levar em consideração o alto número de infectados que não apresentam sintomas”, disse Crisanti.

No dia 8 de março, duas semanas após a morte de Adriano, chegou ao fim a quarentena geral. Pouco tempo depois, em 14 de março, já não eram registrados casos diários de infecção no vilarejo, o que fez com que a vida começasse a voltar ao normal. Infelizmente, isso só durou seis dias.

“Com que critérios se decide acabar com uma quarentena? Se isso é feito apenas baseando-se na diminuição do número de doentes, está deixando de fora todos os assintomáticos, e isso quer dizer que a doença pode voltar”, explicou Crisanti. “Já era de se esperar”.

Agora, com a certeza de que o isolamento dos infectados á a solução para travar a disseminação do coronavírus, o pesquisador afirma que o experimento não é replicável em regiões maiores, mas garante que é possível controlar as contaminações no âmbito de bairros, o que pode acabar salvando cidades inteiras.

 

Via: BBC News