Donald Trump causou confusão na semana passada ao sugerir linhas de pesquisa pouco ortodoxas para o combate ao coronavírus. O presidente dos Estados Unidos disse, durante pronunciamento à imprensa, que havia orientado Bill Bryan, subsecretário de segurança nacional para ciência e tecnologia no governo dos EUA, a experimentar sobre a utilização de luz e desinfetantes dentro do organismo humano como forma de eliminar do vírus.

Posteriormente, ele alegou que estava sendo sarcástico. No entanto, em um momento em que um número incontável de pessoas está em pânico com o avanço da Covid-19, há o risco de que uma sugestão de uma autoridade, mesmo que feita em forma de piada, seja seguida à risca, mesmo indo contra o bom senso.

Mas exatamente o que acontece com quem decide seguir essas orientações, como infelizmente há relatos de pessoas que fizerem? Nada de bom, certamente.

Começando pela ingestão desses desinfetantes pela via oral, que é altamente contraindicada por médicos. Entre os riscos estão a corrosão do trato gastrointestinal, o que por si só pode levar ao sangramento interno e à morte do paciente.

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Além disso, também pode haver outra complicação posterior, como explica a médica do Nicolle Queiroz, do corpo clínico dos hospitais Albert Einstein e do Hospital São Luiz, que tem atendido pacientes com Covid-19. Entre essas situações estão a intoxicação do paciente, que também podem causar mal funcionamento dos órgãos, o que também pode causar a morte.

A injeção de desinfetantes no organismo não é tão recorrente, mas, infelizmente, sua ingestão não tanto. Queiroz conta que já teve contato com um paciente que recorreu à água sanitária como método de “tratamento”, e os danos foram graves. O paciente desenvolveu uma inflamação tão grave no esôfago que foi verificada uma ruptura do canal. Ele conseguiu sobreviver, mas com sequelas: no processo de cicatrização, ele desenvolveu uma estenose (um estreitamento do esôfago), que fará com que ele precise, pelo resto de sua vida, passar por tratamentos de dilatação e acompanhamento.

Se alguém optar por seguir o caminho de Trump e decidir injetar desinfetante, a ciência já é um pouco mais nebulosa, mas é fato que os resultados também não seriam apenas a exterminação do vírus do organismo. Queiroz explica que não há qualquer base química para interação com as células do corpo, levando a alterações metabólicas.

Em seu perfil no Twitter, o departamento de toxicologia da Universidade de Harvard ainda deu mais detalhes, que apontam que a água sanitária na corrente sanguínea pode causar hemólise, o que significa que os glóbulos vermelhos do seu sangue, responsável pela distribuição do oxigênio pelo corpo, são destruídos, o que pode ser fatal. Da mesma forma, os rins, que têm a função de filtrar o sangue, seriam colocados em contato direto com o produto, proporcionando alto risco de falha renal.

Pesquisas aprofundadas sobre o que aconteceria com a injeção de água sanitária no organismo não existem, por um bom motivo, já que exporia os pacientes a riscos altíssimos, com altas chances de levar a pessoa à morte. No entanto, existem, sim, alguns artigos científicos descritivos que mostram o que aconteceu quando pacientes injetaram o desinfetante em seus corpos.

Em um dos casos, o paciente desenvolveu complicações renais, fazendo com que sua urina ficasse preta. Em outro caso, um paciente desenvolveu coágulos em seu corpo.

Então, se você tiver em mãos álcool para limpeza ou água sanitária, faça uso externo. Utilize álcool com concentrações entre 60% e 80% (preferencialmente 70%) para limpar superfícies, atentando-se à sigla do Instituto Nacional de Pesos e Medidas (INPM). Já a água sanitária deve ser diluída em água ao ser usada para desinfecção.

E a luz ultravioleta?

Não há dúvidas de que a luz ultravioleta tem ação desinfetante. Não à toa, o mundo tem usado essa ferramenta para desinfecção de superfícies, chegando a desenvolver robôs que passeiam por hospitais com raios UV.

Os raios UV têm essa ação desinfetante por serem capazes de atingir o material genético do vírus, o que o torna incapaz de se reproduzir. No entanto, basta se lembrar de que qualquer protetor solar precisa ter filtros contra esses mesmos raios para entender que não é só o vírus que é afetado; células humanas também podem ser danificadas.

Não é à toa que a desinfecção com raios ultravioleta requer que todas as pessoas saiam do ambiente antes da aplicação. Para piorar, o comportamento da luz também faria com que ela dificilmente alcançasse todas as partes do organismo contaminadas pelo coronavírus.