Oficiais de polícia chineses estão coletando amostras de sangue de crianças e adultos do sexo masculino para construir um banco nacional de dados genéticos. O propósito é auxiliar autoridades a solucionarem investigações criminais.

Organizações da sociedade civil e representantes do poder público chinês, no entanto, temem que o projeto seja empregado como uma ferramenta abusiva de vigilância estatal. Isso porque as informações genéticas permitem que autoridades identifiquem os laços familiares de um habitante a partir do sangue e da saliva do indivíduo ou de um de seus parentes. 

“A capacidade das autoridades de descobrir quem está intimamente relacionado a quem, pode acarretar a punição de famílias inteiras devido ao ativismo de apenas uma pessoa. Isso teria um efeito assustador na sociedade como um todo”, afirmou Maya Wang, uma pesquisadora chinesa da Human Rights Watch, ao The New York Times.

Um novo estudo publicado nesta quarta-feira (17) pelo Australian Strategic Policy Institute indica que as coletas acontecem em diversas regiões do país desde o final de 2017. A pesquisa estima que a polícia já obteve amostras de entre 35 e 70 milhões de crianças e adultos, entre 5% a 10% de toda a população masculina da China. A operação é voltada a homens porque estatísticas do país mostram que grande parte dos crimes são cometidos por pessoas do sexo masculino.

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Especialistas alertam que banco de dados de DNA dos cidadãos chineses podem ser integrados com plataformas de reconhecimento facial. Imagem: iStock

A criação do programa, inclusive, remete a um crime marcante na história do país. Por quase três décadas, oficiais investigaram um caso de violência sexual e assassinato de onze mulheres – incluindo uma criança de oito anos. Em 2016, um homem foi preso por acusações relacionadas ao pagamento de propinas. Quando as autoridades analisaram os genes dele, os policiais associaram o material a uma pessoa que deixou marcas de DNA no local de um dos assassinatos. O criminoso confessou a culpa e foi executado na sequência.

O caso ganhou destaque na mídia estatal e inflamou os debates sobre a criação da base de dados nacional de DNAs masculinos. Segundo o The New York Times, a polícia da Província de Henan coletou mais de 5.3 milhões de amostras entre 2014 e 2016. Em 2017, o Ministério da Segurança Pública do país revelou planos para instituir o programa nacional.

A mídia estatal do país diz que o governo possui o maior banco de informações genéticas do mundo, com mais de 80 milhões de perfis. Contudo, anteriormente eram coletados somente o material genético de suspeitos de cometer crimes ou de indivíduos de grupos considerados potencialmente perigosos para o Estado.

Contestação

Segundo a polícia chinesa, o banco de dados é utilizado apenas para resolver crimes e todas as amostras são coletadas mediante consentimentos dos cidadãos. A afirmação, no entanto, é contestada por ativistas de direitos humanos.

Eles dizem que o banco nacional de dados genéticos pode violar a privacidade dos cidadãos e incentivar que oficiais persigam ou apliquem punições a parentes de ativistas e dissidentes. Grupos da sociedade civil também afirmam que não há consentimento, uma vez que os cidadãos vivem sob um regime autoritário.

O The New York Times cita o caso de um engenheiro de computação chamado Jiang Haolin. Ao jornal, ele disse que oficiais ameaçaram cortar seus benefícios básicos, como o direito de viajar e o acesso a hospitais, caso ele não contribuísse para o projeto.

Já o estudo do Australian Strategic Policy Institute aponta que os dados genéticos dos homens chineses são integrados com outras plataformas de vigilância. A pesquisa expõe uma notícia de março deste ano, em que oficiais de Guanwen, uma cidade localizada na Província de Sichuan, afirmam que as amostras de DNA poderiam ser aplicadas em um programa de vigilância governamental local.

Outro caso, diz respeito a uma empresa de biotecnologia Anke Bioengineering, que está usando o banco de dados para desenvolver um sistema de policiamento que combina vigilância em vídeo com big data, de acordo com o The New York Times.

O programa, no entanto, enfrenta uma oposição incomum na China. Diferente da vigilância do governo sobre a internet, a coleta de DNA não é regulamentada nas leis do país, e algumas autoridades temem que a população possa reagir negativamente a um amplo banco de dados com detalhes genéticos e segredos de laços familiares. Diante do impasse, representantes do parlamento chinês já propuseram ao governo regulamentar a coleta de material genético.

Fonte: The New York Times