O modo como alguns peixes podem regenerar seu coração está sendo analisado por um grupo de cientistas europeu, que quer aplicar o mesmo processo biológico ao coração humano. O órgão perde sua capacidade de funcionamento depois de um ataque cardíaco, por exemplo, e encontrar maneiras de reverter esta situação poderia salvar milhões de vida em todo o mundo. Para isto, as análises estão sendo propostas com base no organismo de uma variação do peixe Astyanax Mexicanus, conhecido também como peixe caverna.

De acordo com o estudo, a espécie é de água doce, mas assume duas formas diferentes, sendo que o primeiro peixe possui aparência comum e monótona e é encontrado em rios e riachos do México e do Texas. No entanto, o segundo tipo, que pode ser encontrado em poços formados nas profundezas de cavernas, é cego e apresenta cor branca com tons de rosa. Com a evolução da espécie, este peixe também ganhou papilas gustativas e linhas de detecção de vibração mais sensíveis.

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Pesquisadores acreditam que o Astyanax Mexicanus tenha evoluído e se adaptado, com sucesso, ao ambiente que vive. Créditos: Vladimir Wrangel/Shutterstock

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Outros estudos também mostram que, durante sua evolução, o peixe caverna se adaptou ao ambiente que vive e às condições escuras do local. O metabolismo desta espécie diminuiu em comparação com outros peixes, o que significa que ele pode viver mais, mesmo com a escassez de alimentos, por exemplo.

Mas o aspecto mais importante sobre o peixe caverna é sua incapacidade de regenerar o tecido cardíaco danificado, quando o tipo mais comum da espécie consegue realizar o feito. O fato é que, segundo a pesquisa, se for possível entender porque algumas espécies podem reparar este tecido e outras não, grande pode ser o passo em direção à cura humana.

“Nosso projeto pode fornecer pistas importantes sobre porque outros animais perderam a capacidade de regenerar o coração durante a evolução. Se entendermos o mecanismo, isso pode nos ajudar a desenvolver novas maneiras de promover o reparo do coração humano”, explica Gennaro Ruggiero, biólogo molecular da Universidade de Oxford que participou do estudo.

Novas células cardíacas

No decorrer das análises, os cientistas envolvidos no projeto já descobriram que os dois tipos da espécie do peixe produzem novas células cardíacas muito parecidas com as existentes antes de uma lesão no coração. Mas na espécie menos comum do vertebrado aquático, esta capacidade coincide com uma forte cicatriz e resposta imunológica. Diante das pistas, Ruggiero explica que este comportamento pode interferir na produção de novas células cardíacas, o que está sendo investigado pela equipe.

Estudar o peixe caverna também pode trazer luz sobre como a saúde de ancestrais pode influenciar no futuro, não só dos peixes, mas também dos humanos. Os cientistas descobriram que alguns descendentes da espécie podem reparar corações e, ao comparar mapas genéticos, pode ser possível identificar quais genes e proteínas são mais importantes na capacidade de regeneração do tecido cardíaco.

Em resultados preliminares, os pesquisadores já identificaram diferença na mistura de proteínas, que flutuam no espaço que há entre as células, dos peixes que podem regenerar o coração e peixes que não possuem este poder. De qualquer forma, os estudiosos deverão testar mais mil compostos para ver o quanto os chamados fibroblastos influenciam em todo o processo.

“Queremos encontrar compostos que sejam capazes de induzir diferenças nas proteínas da matriz extracelular, especialmente aquelas que aumentam a regeneração, não a cicatriz”, disse Ruggiero. 

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Cientistas acreditam que entender o processo biológico do peixe caverna poderá ajudar no tratamento do coração humano acometido por doenças. Créditos: Martan/Shutterstock

Ganhos para a medicina

A pesquisa tem o objetivo de descobrir um composto que recupere de forma efetiva a capacidade de o peixe caverna regenerar o tecido cardíaco. Sendo assim, os cientistas esperam que ao entender como esta espécie é capaz de reparar corações danificados, o conhecimento adquirido possa levar a tratamentos e medicamentos mais eficazes a pacientes que sofrem ataques do miocárdio.

“Entender porque os peixes podem se regenerar pode nos ajudar a promover a regeneração em mamíferos“, afirma a professora Nadia Mercader, bióloga do desenvolvimento da Universidade de Berna, na Suíça. “Esta é uma abordagem científica básica. Para tentar entender o que funciona na natureza”, acrescenta.

A bióloga Nadia tem testado peixes-zebra para compreender melhor a origens das doenças cardíacas, isto porque esta espécie pode mostrar, por meio de experimentos, como descentes podem afetar a saúde de um peixe no futuro. “Muitas das células que estão presentes no coração do peixe-zebra também estão presentes em nosso próprio coração”, destaca ela. 

Dependendo dos resultados, a equipe de Nadia Mercader pode descobrir quais alterações epigenéticas relacionadas a danos no tecido cardíaco são transmitidas pelos pais ou avós. “Trata-se mais de prevenção do que de terapia”, explicou a bióloga. “Se houver memória de uma lesão, é importante saber disso”, finaliza.

Via: Medical Express