Um provedor de vídeos de visitação da prisão de San Louis, Estados Unidos, expôs milhares de ligações telefônicas entre presidiários, suas famílias e seus advogados na semana passada. A falha de segurança abre questionamentos sobre a garantia do privilégio de sigilo advogado-cliente. A medida de conversas por meio de chamadas de vídeo tem sido adotada por vários sistemas prisionais no país norte-americano com o objetivo de evitar o contágio pela Covid-19.

O que ocorreu foi que a HomeWAV, que atende 12 prisões nos EUA, deixou exposto na internet um atalho para um de seus bancos de dados. Sem ao menos solicitar uma senha, as informações puderam ser acessadas por pessoas alheias, que também tiveram permissão para pesquisar registros e transcrições de chamadas. Além disso, os dados também mostravam o número de telefone da pessoa que ligou, qual presidiário e a duração da conversa. O pesquisador de segurança, Bob Diachenko, afirma que o painel era público pelo menos desde abril.

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Prisioneiros dos Estados Unidos tiveram visitações presenciais substituídas por visitação por meio de videochamadas. Créditos: FOTOKITA/Shutterstock

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Por e-mail, o presidente da HomeWAV, John Best, confirmou a falha na segurança e privacidade. “Um de nossos fornecedores terceirizados confirmou que eles acidentalmente retiraram a senha, o que permitia o acesso ao servidor”, disse. Best ainda falou que os detentos, familiares e advogados serão informados sobre o incidente.

O ato de gravar ligações e videochamadas de presos já é algo comum nos EUA, mesmo que muitas vezes os detentos não sejam avisados sobre isso. A atividade é exercida caso promotores e investigadores precisem ouvir gravações para identificar possíveis crimes cometidos pelos presos.

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No entanto, a ligação entre os internos e seus advogados não pode ser monitorada. Trata-se de uma regra que protege as comunicações entre a defesa e o acusado, não podendo ser utilizadas em juízo. Apesar da garantia clara, já há casos conhecidos de promotores americanos que usaram ligações gravadas entre advogados e seus clientes encarcerados. A título de exemplo, no ano passado, promotores de Louisville supostamente ouviram dezenas de ligações entre um suspeito de assassinato e sua defesa.

O site da HomeWAV ressalta que “a menos que um visitante tenha sido previamente registrado como membro do clero ou um representante legal com quem o preso tenha direito a comunicação privilegiada, o visitante é avisado de que as visitas podem ser registradas e monitoradas”, mas quando questionado o motivo pelo qual a empresa gravou e transcreveu conversas protegidas pelo privilégio advogado-cliente, o presidente John Best não soube responder.

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As visitações à distância foram adotadas para evitar o contágio pela Covid-19 dentro das prisões. Créditos: Karenfoleyphotography/Shutterstock

O advogado de defesa, Daniel Repka, que confirmou que uma de suas ligações com um de seus clientes foi gravada, transcrita e exposta no mês passado, definiu a garantia de sigilo entre as partes como “sagrada”. “É realmente a única maneira de garantir que os advogados sejam capazes de representar seus clientes da maneira mais eficaz e zelosa possível”, ressaltou ele.

“Sempre que tenho um cliente que me liga de uma prisão, estou muito consciente e ciente da possibilidade não só de violações de segurança, mas também da capacidade potencial de acessar essas chamadas pelo gabinete do procurador do condado”, disse Repka.

Direitos violados

Somil Trivedi, advogado sênior do Projeto de Reforma da Lei Criminal da União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu), afirma que “o que vemos repetidamente é que os direitos das pessoas encarceradas são os primeiros a ser pisoteados quando o sistema falha – como sempre, invariavelmente acontece”, falou. “Nosso sistema de justiça é tão bom quanto as proteções para os mais vulneráveis. Como sempre, pessoas de cor, aqueles que não podem pagar um advogado e aqueles com deficiência pagarão o preço mais alto por esse erro. A tecnologia não pode consertar as falhas fundamentais do sistema jurídico criminal – e irá agravá-las se não formos deliberados e cautelosos”, acrescentou Trivedi.

Mas a HomeWAV não é a única empresa do ramo a estar envolvida em caso de violação de segurança e privacidade. Em 2015, a Securus, que ganha milhões a cada ano cobrando dos usuários taxas muitas vezes exorbitantes para ligar para seus entes queridos encarcerados, apresentou vazamento de dados de aproximadamente 70 milhões de ligações telefônicas de presidiários. Na oportunidade, um hacker anônimo compartilhou as informações com o site The Intercept.

O ato de gravar ligações e videochamadas de presos já é algo comum nos EUA, mesmo que muitas vezes os detentos não sejam avisados sobre isso.

Fonte: Tech Crunch