A área da tecnologia nasceu a partir de grandes inspirações e contribuições realizadas por mulheres. Já passou da hora de quebrarmos esse “tabu” de que tecnologia é coisa pra homem

A área da tecnologia nasceu a partir de grandes inspirações e contribuições realizadas por mulheres. O primeiro algoritmo da história foi desenvolvido por Ada Lovelace e algumas das mais importantes linguagens de programação foram criadas pelas Irmãs Mary Kenneth Keller e Grace Hopper. Essas mulheres fizeram história nessa área e devem ser sempre lembradas.

Com tanto protagonismo em seu nascimento, esperava-se que as mulheres tivessem uma participação determinante no mercado de tecnologia na atualidade, mas a realidade não é bem assim. O relatório “Como o Brasil pode fomentar um ecossistema de profissionais digitais?”, lançado pelo BrazilLAB e pela Fundação Brava, em parceria com o Centre for Public Impact (CPI), mostra como nesse setor, a desigualdade de gênero presente em outros espaços da sociedade, também se faz presente.

A análise do perfil de diversidade na área de tecnologias digitais demonstra que o acesso ao mercado de trabalho por grupos como mulheres e negros é desproporcional se analisada a população nacional (majoritariamente feminina e negra). Segundo estimativas do IBGE, em 2018, o Brasil tinha uma população de 51% de mulheres e 49% de homens. Das 47 milhões de vagas de empregos, 44% são ocupadas por mulheres. E quando se observa a proporção por gênero de profissionais no setor de tecnologia a divergência é ainda maior: 37% de mulheres contra 63% de homens. Ou seja, praticamente a cada três vagas, duas são masculinas. Ao analisar os profissionais do setor por raça/cor, a desproporção continua: apenas 30% dos declarados são pardos, negros ou indígenas. 

É claro que o gap de profissionais digitais no Brasil vai muito mais além.  O cenário atual é de grande escassez desses perfis: há uma alta demanda na área e as posições abertas são difíceis de serem preenchidas. Algumas vagas específicas chegam a ficar abertas por mais de dois meses.

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E o cenário tende a se agravar. A Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) realizou um estudo analisando o setor de TIC no horizonte de 2018 até 2024. O estudo avalia mais especificamente a criação de softwares e serviços de TIC em empresas privadas. Novamente, o que se espera é uma demanda crescente por profissionais com conhecimentos voltados à área de tecnologias digitais. A expectativa da associação é de que 420 mil novos postos de trabalho sejam criados até 2024, demandando perfis tecnológicos em diversas tecnologias e para TI In House (produção de TI em organizações cujo objeto social não é TI). 

Este aumento de demanda desperta para a necessidade de formação de mão de obra qualificada. Entretanto, análises com dados do Inep referentes à formação em áreas de tecnologia mostram que o Brasil consegue formar apenas 46 mil pessoas por ano, seja em instituições públicas ou privadas. Além de ser insuficiente, a oferta apresenta relativo descasamento geográfico com o mercado profissional digital.

O gap de profissionais, bem como a desigualdade de gênero, acontecem num horizonte de expansão do setor de tecnologia e consequente aumento de demanda por profissionais. Embora precise de profissionais para  essas áreas, é evidente que meninas e mulheres  não têm ocupado o protagonismo necessário. Segundo pesquisa da Softex, as mulheres são minoria em posições estratégicas, técnicas e diretivas nas organizações que trabalham com tecnologia, além de receberem 11,05% a menos nas posições relacionadas à Core TI e ocuparem menos de 20% desse mercado de trabalho. 

Não há uma razão científica que justifique a baixa participação de mulheres nas áreas de Stem – science, technology, engineer and mathematics (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Uma pesquisa da McKinsey indica que 47% das estudantes do ensino fundamental demonstram interesse por ciência da computação. Esse indicador cai para 23% no ensino médio e 19% no ensino superior, evoluindo até chegarmos a patamares desoladores: nós, mulheres latinas, representamos 1% da força de trabalho atuando com computação globalmente. 

Os dados só confirmam o que já estamos observando há muito tempo: as mulheres estão perdendo o interesse pela área de tecnologia digital, mesmo sendo um setor em expansão, com vagas atrativas e grandes chances de consolidar uma carreira longeva e de sucesso. Mas por que isso acontece?

Por seu um fenômeno complexo, diversos motivos podem justifica-lo. Mas, certamente, muitos deles estão relacionados aos estereótipos de gênero: são as crenças de que há papéis que devem, obrigatoriamente, ser desempenhados por mulheres ou que algumas atividades são melhor executadas por homens – como as áreas de Stem. 

Há diversos estudos demonstrando o impacto dessas crenças nas trajetórias profissionais de mulheres. Segundo pesquisas de Katherine Coffman, professora da Universidade de Harvard, os estereótipos de gênero fazem com que mulheres se sintam menos confiantes em atuando em algumas áreas, não valorizem feedbacks positivos sobre seu trabalho – o que muitos especialistas têm chamado de “síndrome da impostora” – e deixem de manifestar suas ideias no ambiente profissional por considerarem que elas não são tão valiosas ou pertinentes como a de seus colegas homens.

Mas o fato é que há evidências de que nós, mulheres, podemos impactar positivamente para o mercado de trabalho. Segundo dados do McKinsey Global Institute, avançar na equidade de participação de mulheres pode contribuir para aumentar em US$ 12 trilhões o Produto Interno Bruto (PIB) das nações até 2025. Considerando somente o contexto brasileiro, pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que diminuir as diferenças de gênero no mercado de trabalho poderia aumentar o PIB nacional em 3,3%, ou seja, R$ 382 bilhões.

O cenário está mudando

Mesmo com tantos obstáculos para as mulheres, as mudanças estão acontecendo e podemos ver um cenário muito mais inclusivo nos próximos anos. De acordo com uma pesquisa da empresa de recrutamento Revelo, o número de convites a mulheres para vagas nas profissões tech cresceu de 12%, em 2017, para 17%, em 2019. Desenvolvimento, tecnologia da informação, business intelligence, gestão de negócios, design, finanças e marketing online são algumas das áreas onde a pesquisa detectou esse modesto avanço de convites ao público feminino.

Para continuarmos caminhando na construção de uma sociedade e mercado de trabalho mais igualitários, precisamos inspirar outras mulheres, com programas de incentivo, capacitação e histórias inspiradoras.

Estamos avançando, talvez mais devagar do que o necessário e desejável, mas já é possível vislumbrar um mundo no qual as meninas e mulheres possam ocupar as ciências e tecnologias, tendo a oportunidade de se desenvolverem plenamente e retomando o histórico das que vieram antes e que, com suas valiosas contribuições, fizeram ser possível a existência dessas áreas.