Uma equipe de especialistas Organização Mundial da Saúde (OMS) encarregada de investigar a origem da Covid-19, finalmente teve sua entrada liberada na China. Os dez pesquisadores da missão devem chegar à Wuhan em 14 de janeiro, após um atraso classificado pelo Ministério das Relações Exteriores chinês como um “mal-entendido”.

No Twitter, o chefe da OMS comemorou a notícia. “Esperamos trabalhar em estreita colaboração com nossos colegas da China nesta missão crítica para identificar a fonte do vírus e sua rota de introdução na população humana”, escreveu Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Um ano após a primeira morte confirmada por Covid-19, um homem chinês de 61 anos que frequentava regularmente o mercado de Wuhan, a origem da Covid-19 precisa da doença ainda não foi identificada. Acusada de encobrir o surto em seus primeiros dias, a Chiina vem tentando moldar a narrativa sobre quando e onde a pandemia começou, com o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, afirmando que “mais e mais estudos” mostraram que o novo coronavírus surgiu em várias regiões.

Segurança com máscara facial faz uma triagem de temperatura do lado de fora de um mercado local de frutos do mar, durante o surto do coronavírus na China
Segurança com máscara facial faz uma triagem de temperatura do lado de fora de um mercado local de frutos do mar, durante o surto do coronavírus na China. Imagem: Amar Shrestha/Shutterstock

Um especialista em saúde afiliado à OMS e ouvido pela Reuters disse que as expectativas de que a equipe chegará a uma conclusão de sua viagem à China são “muito baixas”. Há algum consenso de que o Sars-Cov-2 tenha passado de morcegos para humanos no final de 2019, no mercado de Wuhan – onde a vida selvagem era vendida como alimento.

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Guerra de narrativas

Mas indícios subsequentes sugerem que a origem da Covid-19 pode ser anterior, o que dá margem para alimentar teorias da conspiração – ampliadas por figuras públicas e políticas como o presidente dos EUA, Donald Trump. O principal argumento é que a Covid-19 tenha vazado de algum laboratório de Wuhan.

Dados chineses de janeiro de 2020 mostram que vários dos primeiros casos não tinham ligações conhecidas com o mercado, sugerindo outra fonte para a epidemia. Em março, o principal virologista e imunologista chinês, Gao Fu, disse que o mercado não era a fonte, mas uma “vítima”, um lugar onde o patógeno foi amplificado.

Inicialmente, Pequim negou acesso a Wuhan ao time da OMS, justificando que a cidade ainda estava sob bloqueio. Posteriormente, o governo permitiu que uma pequena equipe visitasse a cidade, mas os impediu de visitar hospitais ou o mercado de frutos do mar onde se suspeita que o surto se originou.

Trabalhadores comunitários usam um alto-falante para divulgar as informações sobre prevenção e controle do novo coronavírus em uma rua em Wuhan, província de Hubei, China, em fevereiro de 2020.
Trabalhadores comunitários usam um alto-falante para divulgar as informações sobre prevenção e controle do novo coronavírus em uma rua em Wuhan, província de Hubei, China, em fevereiro de 2020. Imagem: Chirag Nagpal/Shutterstock

Até agora, poucos especialistas estrangeiros tiveram acesso às amostras coletadas no mercado de Wuhan, e os principais dados vieram das autoridades chinesas. Mesmo com a liberação mais ampla, anunciada nesta segunda-feira (11), especialistas temem que o governo da China pode ter destruído evidências.

“Todo surto acontece da mesma maneira. É caótico e disfuncional”, afirmou à AFP Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, uma ONG global focada na prevenção de doenças infecciosas. “Eles não fizeram um bom trabalho na investigação no início. Em alguns aspectos, eles [os chineses] eram bastante abertos, em outros nem tanto”, completa.

O Partido Comunista tem um histórico de suprimir informações politicamente prejudiciais. Pequim pode querer esconder lapsos regulatórios ou investigativos para evitar constrangimento doméstico ou um mal-estar global, avalia o epidemiologista da Universidade de Georgetown, Daniel Lucey, também à AFP.

Lucey, que acompanha de perto epidemias globais, afirma que vírus já estava se espalhando rapidamente em Wuhan em dezembro de 2019. Isso pode indicar que ele estava em circulação muito antes, uma vez que meses podem passar até que o patógeno desenvolva as mutações necessárias para se tornar altamente contagioso entre os humanos.

A própria China afirmou, em dezembro, que o número de casos de coronavírus circulando em Wuhan pode ter sido dez vezes maior no início da epidemia do que o revelado pelos números oficiais na época.

Maior cooperação

A nova missão da OMS tem a tarefa de investigar as origens animais do coronavírus, bem como o papel do mercado de Wuhan no surto. A equipe também examinará os registros do hospital para identificar quaisquer casos potenciais de Covid-19 que ocorreram antes de 17 de novembro de 2019 – o primeiro paciente confirmado.

Para Daszak, a derrota de Trump nas eleições presidenciais em novembro passado pode ajudar na colaboração entre pesquisadores chineses e norte-americanos. O presidente da EcoHealth Alliance acredita que ao politizar a pandemia – como ao rotular o Sars-Cov-2 como “vírus chinês” – o presidente dos EUA ajudou a promover a teoria da conspiração de que a China criou a Covid-19 em um laboratório, que os cientistas rejeitam.

Pessoas usando máscaras faciais na cidade de Chengdu, na China, no início da pandemia de Covid-19, em janeiro
Pessoas usando máscaras faciais na cidade de Chengdu, na China, no início da pandemia de Covid-19, em janeiro. Imagem: Ihor Sulyatytskyy/Shutterstock

“Estou confiante de que iremos descobrir de que espécie de morcego o vírus veio e seu caminho provável”, disse Daszak. Para Diana Bell, especialista em doenças da vida selvagem na Universidade de East Anglia, focar em uma espécie de origem da Covid-19 particular é um equívoco.

Bell estudou o vírus Sars, Ebola e outros patógenos, e disse que o comércio global de vida selvagem é a principal ameaça. Mercados como o de Wuhan são conhecidos como criadouro de surtos e doenças. “(A espécie) na verdade não importa. Não precisamos saber a origem, só precisamos parar com essa mistura de animais nos mercados”, disse ela. “Precisamos parar o comércio de animais selvagens para consumo humano”.

Via: Reuters/AFP (via Strait Times)/Fortune