Por Letícia Piccolotto*

Muita coisa mudou desde que o Dia Internacional da Mulher foi criado em 1975. Podemos dizer que tivemos muitas conquistas nos campos de direitos civis, nas condições trabalhistas e na participação política. Mas ainda há um longo caminho a percorrer para chegar onde queremos.

Precisamos lembrar que a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e, especificamente, na área de tecnologia, ainda está longe de ter um fim. Esse assunto ficou ainda mais em evidência com a pandemia, já que a crise mostrou o número de papéis que as mulheres conciliam junto com o trabalho remunerado, principalmente, quando não se pode contar com uma rede de apoio. Por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU), que todo ano propõe um tema para celebrarmos as oportunidades e debatermos sobre os desafios da mulheres, escolheu para 2021 “Mulheres na liderança: Alcançando um futuro igual em um mundo de COVID-19” para refletirmos sobre a centralidade de suas contribuições quanto os fardos desproporcionais que as mulheres carregam.

É preciso estarmos atentas de que os efeitos colaterais causados pela covid-19 podem frear o avanço das mulheres em cargos de liderança dentro das organizações e até mesmo representar retrocessos na luta pela equidade de gênero. Um estudo realizado pela empresa de segurança Kaspersky, com 13 mil pessoas, em 19 países, mostra que cerca de 60% das mulheres que atuam no setor de tecnologia, na América Latina, acreditam que a pandemia prejudicou seu desempenho no trabalho.

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No Brasil, onde 500 profissionais foram entrevistadas, 46% lutaram para conciliar vida profissional e familiar, 68% disseram que fizeram a maior parte do trabalho doméstico, 78% cuidaram sozinhas da educação dos filhos no período em que as escolas estiveram fechadas e 46% adaptaram seu horário de trabalho mais do que o parceiro.

O levantamento também aponta que as novas estruturas de trabalho trouxeram melhorias para as mulheres no setor. Boa parcela das profissionais brasileiras reforçou a preferência pela casa em relação ao escritório (42,6%). Além de eficiência, o sistema de home office também oferece maior autonomia, segundo 45% das entrevistadas.

Porém, os resultados mais preocupantes mostram que trabalhar em casa não está tendo o impacto desejado no avanço social. Quase metade (46%) das brasileiras afirma que, desde março de 2020, tem lutado para combinar trabalho e vida familiar, proporção que segue uma tendência global.

Maior qualificação não resulta em mais oportunidades de trabalho e renda

Vale lembrar que as mulheres são 45% da população economicamente ativa no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, as trabalhadoras dedicam mais tempo aos estudos em comparação aos homens. Mesmo assim, a remuneração média recebida pelas brasileiras no mercado é inferior à que é ofertada a eles.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) aponta, ainda, que apenas 7,2% dos membros dos conselhos de empresas são mulheres. Nos comitês fiscais, a participação não é muito diferente: menos de 9%. Isso porque no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa é indicado que exista diversidade em suas composições para promover a melhor atuação desses órgãos.

Em relação aos cargos de liderança nas empresas, as desigualdades persistem. De acordo com o Ministério da Economia, as mulheres detêm 42,4% das funções de gerência, 13,9% de diretoria e 27,3% de superintendência. Ou seja, quanto mais alto o nível dentro de uma companhia, menos elas estão presentes.

Essa contradição é tão grave diante do potencial que temos a contribuir com diversas organizações, carreiras e, inclusive, na área de tecnologia. Já relatei diversas vezes aqui na coluna sobre o legado das mulheres no campo da inovação e na busca por soluções de diversos problemas complexos.

E para conseguirmos alçar voos maiores, precisamos enfrentar com firmeza uma questão cultural: segundo uma pesquisa da consultoria Ipsos, em 2019, três em cada dez pessoas no Brasil não se sentiam confortáveis em ter uma mulher como chefe. Os homens eram os mais resistentes (31%).

Transformar essa realidade: tão necessário, quanto possível

Há cinco anos, quando fundei o BrazilLAB, precisei enfrentar os desafios de ser mulher e mãe atuando em um mercado majoritariamente masculino. Foram muitas as barreiras que precisei quebrar, mas nunca me senti só, já que, em minha trajetória, estive rodeada de mulheres importantes que conseguiram ganhar representatividade nas organizações que trabalham.

Esse é um fator crucial para ampliar a participação feminina em todas as áreas de atuação e, especialmente, em posições de liderança e poder. Precisamos dar-lhes referências, exemplos e trajetórias que possam inspirá-las a traçar caminhos semelhantes. Representatividade importa e é fundamental para trazer às mulheres o direito e a capacidade de sonhar.

Já sabemos que as mulheres trazem experiências, perspectivas e habilidades diferentes que contribuem para o desenvolvimento social e econômico de toda a sociedade. Por isso, nesse mês dedicado à luta feminina, desejo que a equidade de gênero seja prioridade e que todos adotemos ações concretas para fazer com que ela seja uma realidade. Só assim poderemos viver em uma sociedade muito mais justa e igual para todos e todas.

*Letícia Piccolotto é Presidente Executiva da Fundação BRAVA (www.brava.org.br) e fundadora do BrazilLAB – primeiro hub de inovação GovTech que conecta startups com o poder público.