Já falei algumas vezes aqui que a atuação da mulher na tecnologia não é algo novo. Tivemos um papel fundamental para que, hoje, a humanidade possa usufruir de soluções que transformaram completamente a nossa vida – desde computadores até a internet.

Ainda assim, por muito tempo não tivemos reconhecimento ou participação nas profissões da tecnologia. Ainda que de maneira tímida, nos últimos anos, esse cenário tem mudado. Mas não nos enganemos: ainda há muito para trilhar para alcançar a equidade de gênero entre homens e mulheres.

E também é hora de pensar sobre o impacto que a pandemia pode trazer nesse esforço. De acordo com uma pesquisa da empresa de cibersegurança Kaspersky, a crise atual afetou a vida profissional das mulheres que trabalham em tecnologia. Na América Latina, cerca de 60% das mulheres que atuam no setor acreditam que os efeitos da covid-19 prejudicaram seu desempenho no trabalho.

Mas a resiliência, aliada ao empreendedorismo e à tecnologia são marcantes entre as mulheres. Segundo estudo realizado pelo Sebrae e pela Fundação Getúlio Vargas, fomos as que mais apostamos na tecnologia para empreender. Enquanto 71% das mulheres fazem uso das redes sociais, aplicativos ou internet para vender seus produtos, o percentual de homens que utilizam essas ferramentas é de 63%.

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O estudo ainda aponta que elas inovaram mais diante das medidas de isolamento social, passaram a utilizar mais as vendas online (34%) do que os homens (29%) e ofertaram mais produtos e serviços (11%). 11% das empreendedoras disseram ter inovado, contra 7% dos homens. A pesquisa indica que seis em cada dez empreendedores – tanto homens quanto mulheres – tiveram que implementar mudanças durante a pandemia.

Uma das possíveis explicações para essa aposta na tecnologia e inovação é o grau de escolaridade. A mesma pesquisa mostra que 63% das mulheres possuem nível superior incompleto ou mais, contra 55% dos homens pertencentes a esse mesmo grupo. Além disso, as mulheres têm empreendido cada vez mais jovens, tendo mais facilidade para se adaptar a novos canais de comunicação, inclusive, sabem trabalhar melhor com as redes sociais. Segundo o Sebrae, 24% das empreendedoras têm até 35 anos, enquanto 18% dos empresários estão nessa faixa etária.

Avanços são necessários também no empreendedorismo feminino

Quando olhamos para este cenário, podemos até pensar que o empreendedorismo feminino está em excelentes patamares no Brasil. Mas a verdade é que, assim como outras dimensões, ele vem se desenvolvendo devagar. Apesar das mulheres serem inovadoras, usarem a tecnologia a seu favor e saberem tanto quanto os homens a empreender, os avanços ainda são limitados.

Apenas 4,7% das startups brasileiras são fundadas exclusivamente por mulheres. Isso é o que aponta o estudo “Female Founders Report 2021”, realizado pela Distrito em parceria com a Endeavor e a B2Mamy. Quando analisadas as empresas de fundação mista, ou seja, que possuem mulheres como cofundadoras, o número é um pouco maior, mas ainda ínfimo: 5,1%.

Os desafios são práticos e muito reais: segundo o estudo, apenas 0,04% de todo o capital de risco investido no Brasil em 2020 foi destinado a empresas fundadas exclusivamente por mulheres. Empreender no Brasil é uma atividade para poucos, naturalmente arriscada e complexa, mas torna-se quase impossível para as mulheres quando os requisitos mínimos para a sua realização não são garantidos.

Os números também mostram como a maternidade ainda é uma questão que incomoda muitos investidores. Das entrevistadas, mais da metade (51,2%) das mulheres que não conseguiram obter captação de recursos para seus negócios tinham filhos. Das mulheres que conseguiram captação, 58% não tinham filhos.

Nossa sociedade ainda tem um longo caminho à frente para garantir a equidade de gênero. Apesar do aumento no envolvimento de mulheres nas lideranças de empresas e na área de tecnologia, o crescimento continua lento e muito aquém do que desejamos e merecemos. e escalar um negócio no Brasil e com uma fundadora mulher, torna o desafio ainda maior.

Mesmo com tantas barreiras e empecilhos, estamos mostrando que, diante de uma crise sem precedentes, sabemos inovar e criar novas possibilidades. Que seja, então, feito juz à garra e ao potencial das mulheres, garantindo que todas tenham as oportunidades para se desenvolver e prosperar.

*Letícia Piccolotto é Presidente Executiva da Fundação BRAVA (www.brava.org.br) e fundadora do BrazilLAB – primeiro hub de inovação GovTech que conecta startups com o poder público.