Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade de Oxford, na Inglaterra, detectou que cerca de um terço dos casos de Covid-19 detectados em Manaus desde janeiro foram reinfecções pela variante P.1.

De acordo com o artigo, em outubro de 2020, 76% dos moradores já haviam sido expostos ao Sars-Cov-2, que é o vírus da Covid-19. Na segunda onda enfrentada pela capital do Amazonas, 87% dos casos teriam sido causados pela variante P.1.

O trabalho foi liderado pela pesquisadoras Ester Sabino, da USP, e Nuno Faria, da Universidade de Oxford. Ao todo, foram analisadas amostras de sangue de 238 doadores de sangue que atendiam a critérios específicos, como ter feito três ou mais doações, sendo pelo menos uma delas antes do mês de julho de 2020 e uma segunda entre janeiro e março de 2021.

No artigo, que ainda precisa ser revisado por pares, o grupo descreve como os anticorpos e as moléculas do sistema imunológico reagiam a testes de anticorpos em cada uma das amostras. Depois disso, eles determinaram quais dos voluntários poderiam ter sido mais de uma vez com base na força da resposta imune apresentada por eles.

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“Nossos dados sugerem que a reinfecção pela P.1 é mais comum e mais frequente do que tinha sido detectada por métodos tradicionais de vigilância genômica, molecular e epidemiológica de casos clínicos”, dizem os cientistas no estudo.

Estudo anterior recebeu críticas

Pesquisadores da Fiocruz de Manaus fizeram duras críticas ao primeiro estudo do grupo da USP/Oxford. Crédito: Google Street View

Contudo, essa alta estimativa de prevalência da Covid-19 aferida pelo grupo atraiu algumas críticas por parte de cientistas manauaras. A principal delas é que essa proporção de infectados (87%), representaria que Manaus atingiu a imunidade de grupo contra a Covid-19.

Esses números, inclusive, foram usados por políticos e comerciantes da região como argumento para pedir a reabertura do comércio. A flexibilização foi feita e acabou resultando em um surto da doença na cidade, quando o sistema de saúde entrou em colapso e faltou até mesmo oxigênio para os pacientes.

Foi nesse contexto que a variante P.1 ampliou sua circulação, mas, para alguns epidemiologistas, essa não foi a única razão para a dimensão da segunda onda. Além disso, para eles, doadores de sangue não são uma população que fornece um diagnóstico confiável sobre o espalhamento da doença.

“Doadores têm uma faixa etária que não representa Manaus inteira, excluindo crianças e idosos. E, além disso, quem doa sangue em geral é de classe média ou baixa, e isso também restringe a população analisada”, disse o epidemiologista da Fiocruz Manaus, Marcus Lacerda, ao jornal O Globo.

Outro ponto de atenção é o fato de pessoas que ainda não tinham anticorpos contra a Covid-19 como diagnósticos positivos. “O teste tinha uma sensibilidade determinada, e eles acabaram reduzindo. Isso resultou em colocar como positivo um grupo de pessoas que provavelmente não tinha IgG, ou seja, não tinha anticorpo contra Covid-19”, alerta Lacerda.

Respostas da equipe USP/Oxford

O primeiro estudo comandado por Sabino e Faria sobre o tema foi publicado na revista Science em 2020 e recebeu algumas críticas de pares, que têm sido respondidas desde então. Ester Sabino afirma que foram tomados os devidos cuidados para evitar distorções nos resultados do estudo.

Ester Sabino tem respondido as críticas dos colegas sobre a metodologia utilizada em seu estudo de Manaus. Crédito: Fapesp/Divulgação

“Descontamos a taxa de falso positivo. Fizemos, sim, vários testes usando vários cortes diferentes fabricantes. Todos bateram o mesmo valor. A gente fez outros modelos para corrigir a queda de anticorpos e bateu a mesma estimativa”, disse ela.

Sobre a questão da imunidade coletiva, Sabino afirma que o estudo foi mal interpretado fora da comunidade científica, além de que nunca disse que a epidemia estava controlada em Manaus. “Comunicar ciência é muito difícil. Na verdade, o nosso trabalho saiu como “taxa de ataque”, e não como ‘imunidade de rebanho’ “, disse a pesquisadora.

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“Podia ter mudado o título. Na época, não pensei que o pessoal ia entender olhando o título daquela forma. Mas não acho que esteja errado o que a gente fez. Isso não está dizendo que acabou a epidemia em nenhum momento, e está bem claro no nosso texto”, reforça.

“Acho que seria muito errado se eu não falasse para a população que a gente tinha achado uma prevalência tão alta em Manaus, porque agora dá o contexto para saber que eles podem pegar Covid-19 uma terceira vez também”, concluiu ela.

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