De acordo com o microbiologista John McConnell, editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, revista científica que publicou os mais importantes estudos sobre a pandemia e os imunizantes nos últimos meses, no ritmo que estamos, as vacinas estarão disponíveis para todas as pessoas do mundo apenas no fim de 2023.

Em entrevista à BBC News Brasil, McConnell, além de analisar o atual ritmo de vacinação no mundo, também destacou que o fim da pandemia está necessariamente relacionado às ações globais. “Acredito que nós conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que não percamos o foco. Só assim faremos com que a luz no fim do túnel não seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos.”

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Particularmente em relação ao Brasil, o cientista acredita que o país precisa aliar duas estratégias: acelerar a imunização e promover as medidas preventivas, como o distanciamento social. “As duas ações precisam andar de mãos dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso será lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de intervenções não farmacológicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro”, analisou.

Sobre as vacinas disponíveis aqui, McConnell disse que elas “são capazes de proteger até mesmo contra as formas mais graves da doença”.

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Desenvolvimento de vários imunizantes diferentes em menos de um ano

Considerado um feito inédito, cientistas do mundo inteiro conseguiram criar, testar e aprovar várias vacinas contra uma mesma doença em menos de um ano. Para McConnell,  isso é reflexo de “muitos anos de trabalho no desenvolvimento das tecnologias, o que nos permitiu gerar vários tipos diferentes de vacinas, que agora estão sendo aplicadas em bilhões de pessoas”.

Ele explicou que uma das tecnologias utilizadas em alguns tipos de imunizante contra a Covid-19, que usa vírus inativado, já existe há um século ou mais. “A tecnologia que utiliza as chamadas subunidades proteicas é aplicada às vacinas contra a hepatite B, por exemplo, há muitos anos”, afirmou.

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O mesmo ocorre em relação às vacinas de vetores virais, como as de Johnson & Johnson e da AstraZeneca/Oxford. O microbiologista explicou que elas “se valem de uma tecnologia que vem sendo usada em ensaios clínicos há cerca de 20 anos, principalmente em três imunizantes licenciados contra o ebola”.

Vacina de Oxford
Imunizante da AstraZeneca/Oxford usa tecnologia conhecida como ‘vetor viral não replicante’. Imagem: Radowitz – Shutterstock

Até mesmo as fórmulas consideradas mais avançadas, utilizando a tecnologia de RNA mensageiro, já têm registros históricos.

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“Embora se acredite amplamente que as vacinas de mRNA, como as de Pfizer/BioNTech e Moderna, são novas e essa é a primeira vez em que se utiliza tal tecnologia, a verdade é que o trabalho de desenvolvimento de produtos semelhantes está em andamento por quase 30 anos”, garantiu McConnell.

“Antes da Covid-19, havia vacinas em testes clínicos usando a tecnologia de mRNA contra doenças como Aids, Zika e raiva, por exemplo”, contou.

Diante disso, pode-se concluir que, embora as vacinas de Pfizer/BioNTech e Moderna sejam as primeiras a usar essa tecnologia em uma escala muito grande em seres humanos, elas se baseiam em um conhecimento existente e bem testado. “Então, de certa forma, tivemos sorte que a pandemia surgiu em um momento em que temos algumas formas muito bem estabelecidas de produzir vacinas, bem como um conjunto de novas tecnologias para as quais havia um pouco de experiência clínica”.

Tal variedade de técnicas aplicadas é fundamental para que toda a população mundial possa ser atendida.

“É importante ter vacinas que possam ser distribuídas de diferentes maneiras. Por exemplo, as vacinas de Pfizer/BioNtech e Moderna precisam de uma cadeia de frio para distribuição que requer congelamento, enquanto as vacinas de AstraZeneca/Oxford e Johnson & Johnson requerem apenas geladeiras regulares. Já a vacina da Bharat Biotech pode ser mantida em temperatura ambiente”, explicou McConnell.

Também é muito interessante, segundo o microbiologista, termos vacinas que possam ser modificadas conforme surgem novas variantes do coronavírus, visto que algumas tecnologias são mais facilmente adaptáveis do que outras.

McConnell destacou que, ao usar diferentes formas de produção de vacinas, estamos aproveitando ao máximo as instalações de fabricação disponíveis em todo o mundo. “Se dependêssemos apenas da tecnologia de mRNA, por exemplo, não haveria nenhuma maneira de produzir doses suficientes para 2022 ou 2023, mesmo nos países de alta renda”.

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Vacinação adiantada em alguns países e escassez absoluta em outros

Em certos lugares, como Israel e Reino Unido, a imunização está em ritmo acelerado. Dados oficias apontam que o país do Oriente Médio lidera o ranking, com quase 63% de sua população vacinada. Logo atrás, vem Mongólia e Reino Unido, com pouco mais de 54% cada. Em terceiro lugar, o Barein, que já vacinou metade de sua população. Já a Hungria, que ocupa a quinta posição, está próxima dos 50%.

Consórcio Covax Facility foi projetado para comprar imunizantes e distribuí-los a países que não têm condições de financiar seus próprios programas de vacinação. Imagem: Brenda Rocha – Blossom / Shutterstock

Os efeitos da vacinação são claros: observando os gráficos, nota-se o quanto a taxa de novas infecções diminuiu nesses locais, em comparação com os países que ainda não receberam as doses.

“É bastante encorajador que as vacinas que estão sendo usadas em todo o mundo pareçam ser amplamente eficazes contra as variantes do vírus, particularmente em termos de prevenção de doenças graves e morte, embora não necessariamente previnam a infecção em si”, animou-se McConnell.

Ele destacou a situação do Chile: “Lá é um bom exemplo de como as vacinas estão realmente funcionando. Está claro que os casos se estabilizaram ou estão diminuindo nos indivíduos que foram vacinados, enquanto continuam a aumentar naqueles que não foram imunizados”.

Por outro lado, no mapa mundial de imunização, ainda existe uma faixa inteira de países africanos aguardando a chegada de qualquer uma das fórmulas: da Líbia a Madagascar. Esses países não entram sequer nas estatísticas de vacinação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Na Ásia Central, o quadro é o mesmo, assim como em países como na Coreia do Norte e Bósnia e Herzegovina, que deverá receber sua primeira grande entrega direta no fim de maio, mas que já teve acesso a algumas doses doadas pela vizinha Sérvia.

O Consórcio Covax Facility, que foi projetado para comprar vacinas e distribuí-las a países que não têm condições de financiar seus próprios programas de vacinação, é a principal fonte de esperança para os lugares menos favorecidos.

Entretanto, John McConnell alertou que o programa ajudará a vacinar apenas 20% da população mundial nessas nações de baixa e média renda. “É imperativo que outros países, quando tiverem vacinado totalmente as suas populações, disponibilizem as doses restantes aos governos que não têm condições de pagá-las”, acredita o cientista.

“É muito importante que os governos levem em consideração o interesse global para minimizar a quantidade de vírus em circulação em todo o mundo”, disse McConnell.

“Quando os programas de vacinação nesses locais estiverem concluídos, e com o planejamento para os reforços necessários num futuro próximo, os países com estoques remanescentes precisarão considerar seriamente a doação de doses excedentes”, finalizou.

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