Se você acompanha as notícias sobre o espaço e especialmente sobre asteroides, já deve ter se deparado com nomes estranhos, como P11gGwI, J35S01N, J77S03F, 2001 FO32, 2004 MN4, 2020 VT4, 99942 Apophis, 25143 Itokawa e 101955 Bennu. Mas você já parou para pensar como se nomeiam essas rochas espaciais?

Existe um longo caminho entre a descoberta e a nomeação definitiva de um asteroide. Desde as primeiras observações, há um rito a ser seguido para que o asteroide seja reconhecido como uma descoberta, possa ser rastreado por outros astrônomos até ter sua órbita perfeitamente conhecida, o que o credencia a receber um nome. Normalmente esse processo pode levar entre 3 e 10 anos, dependendo de vários fatores. E em cada etapa desse processo, o objeto é identificado seguindo diferentes padrões.

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Designação temporária

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Tradicionalmente, para encontrar um Asteroide, os astrônomos fazem uma sequência de pelo menos 3 imagens da mesma área do céu separadas por alguns minutos entre elas. Estrelas e galáxias distantes aparecem na mesma posição nas 3 imagens, mas se algum objeto se move na sequência de imagens, pode se tratar de um novo asteroide. Depois de uma verificação inicial, se verificado que não se trata de nenhum objeto conhecido, um relatório das observações é enviado para o MPC – Minor Planet Center, que é uma entidade ligada à IAU – União Astronômica Internacional, que centraliza as informações sobre asteroides e cometas. Nesse relatório, o objeto é identificado por uma designação provisória de até 7 caracteres definida pelo observador.

Não existe nenhuma regra para essa designação provisória, além do limite de 7 caracteres. Por isso, os próprios observatórios criam seu padrão, o que acaba gerando nomes completamente estranhos como P11gGwI e J35S01N citados anteriormente.

Designação provisória

Quando uma descoberta é confirmada pelo MPC, e o objeto já tem seus parâmetros orbitais minimamente precisos para que possa ser rastreado por outros observadores, ele recebe uma designação provisória, baseada no período do ano em que foi descoberto. Para explicar essa designação, tomemos por exemplo o Asteroide Apophis, que quando descoberto, recebeu a designação 2004 MN4:

  • 2004: Os primeiros 4 dígitos indicam o ano da descoberta do asteroide. No caso do Apophis, 2004;
  • M: A primeira letra depois do ano representa a quinzena do ano em que a descoberta foi feita. São utilizadas as letras de “A”, para a primeira quinzena de janeiro, à “Y”, para a última quinzena de dezembro. A letra “I”, é excluída da sequência para evitar que seja confundida com o numeral “1”. M, significa que o Apophis foi descoberto na segunda quinzena de junho;
  • N4: A segunda letra e o sufixo numérico indicam a ordem da descoberta naquela quinzena. São utilizadas as letras de “A” à “Z”, também excluindo a letra “I”, de forma que a primeira descoberta recebe a letra “A” e “Z” é atribuída à 25ª descoberta da quinzena. Após a 25ª descoberta, deve ser atribuído o sufixo “1” e o ciclo de 25 letras inicia novamente, de “A1” (26ª) até “Z1” (50ª), e ao final de cada ciclo, o sufixo é incrementado e o ciclo inicia novamente. Dessa forma, podemos concluir que o Apophis foi o 113° asteroide descoberto na segunda quinzena de junho de 2004.

Designação definitiva

Depois de várias observações, quando o asteroide tem sua órbita definida com precisão suficiente para que possamos determinar exatamente sua posição no céu para longos períodos no futuro, a IAU lhe atribui uma numeração definitiva e o torna apto a receber um nome escolhido pelo seu descobridor.

O número do asteroide é basicamente uma sequência dada pela ordem de sua atribuição. De forma que 1 Ceres, o primeiro asteroide descoberto (e que hoje nem é mais considerado asteroide), recebeu o número 1, o segundo, 2 Palas, depois, 3 Juno, 4 Vesta, e assim por diante.

Alguns asteroides já nomeados
Alguns asteroides já nomeados. Créditos: NASA/JPL-Caltech/JAXA/ESA

Quanto ao nome, sua atribuição é opcional. Inclusive, a grande maioria dos asteroides numerados (que receberam numeração definitiva) não foram nomeados. Mas essa atribuição é facultada ao descobridor do asteroide, que pode escolher o nome desde que siga algumas regras.

Certos tipos de nomes devem ser aplicados a classes específicas de asteroides:

  • Objetos Trans-Netunianos (TNOs) devem receber o nome de divindades da criação
  • Objetos em ressonância 3:2 com Netuno (que cumprem duas órbitas em torno do Sol no mesmo tempo que Netuno cumpre 3 voltas), devem receber o nome de divindades do submundo
  • Objetos troianos de Netuno (que dividem a mesma órbita de Netuno, nos pontos de Lagrange L4 e L5) devem receber o nome de Amazonas
  • Objetos entre as órbitas de Júpiter e Netuno devem receber o nome de centauros
  • Objetos troianos de Júpiter devem receber nomes associados à Guerra de Troia, se estiverem no ponto L4, nomes de troianos e se estiverem em L5, nomes de gregos
  • Objetos que passam próximo à Terra (NEOs) devem receber nomes da mitologia, desde que não sejam divindades da criação nem do submundo

Já para os objetos do Cinturão Principal de Asteroides (MBAs) as regras são bem mais flexíveis. O nome é de livre escolha do descobridor. Só não pode ter mais de 16 caracteres, ser ofensivo, ter relação com atividades políticas ou militares e nem pode ser confundido com algum produto ou marca comercial. Fica realmente a critério do descobridor, que algumas vezes, usa muita criatividade na escolha do nome.

Alguns asteroides com nomes curiosos

Com regras tão flexíveis, não é difícil de imaginar que alguns asteroides podem ter sido batizados com nomes bastante criativos. Se você leu a divertida obra de ficcção O Guia do Mochileiro das Galáxias, vai gostar de saber que seus personagens Arthur Dent e Zaphod Beeblebrox dão nome a dois asteroides, 18610 Arthurdent e 266646 Zaphod.

Personagens de ficção, aliás, são bastante utilizados para nomear asteroides, como o 2309 Mr. Spock, do personagem da série “Jornada nas Estrelas”. Outros exemplos são o 12927 Pinocchio e o 3552 Don Quixote, inspirados em clássicos da literatura, e a dupla 29401 Asterix e 29402 Obelix, nomes baseados na franquia francesa Asterix & Obelix.

Mr. Spock, personagem de Jornada nas Estrelas homenageado com o nome em um asteroide
Mr. Spock, personagem de Jornada nas Estrelas homenageado com o nome em um asteroide. Fonte: CBS Studios

Alguns ídolos da música pop também deixaram seus nomes eternizados entre esses astros rochosos. É o caso de Brian May, guitarrista do Queen e astrofísico, que é um dos fundadores do Asteroid Day e dá nome ao asteroide 52665 Brianmay. Bandas também são homenageadas como nos asteroides 4749 Ledzeppelin, 19367 Pink Floyd, 19383 Rolling Stones e 8749 Beatles. Os Beatles, aliás, tiveram os nomes de seus quatro membros atribuídos a uma sequência de quatro asteroides: 4147 Lennon, 4148 McCartney, 4149 Harrison e 4150 Starr.

Grandes nomes da Matemática também foram homenageados, como nos asteroides 3251 Eratosthenes, 3600 Archimedes, 4628 Laplace, 6143 Pythagoras e 6765 Fibonacci. Mas talvez a mais original homenagem à Matemática tenha sido o nome do asteroide 2037 Tripaxeptalis descoberto em 1973. À primeira vista, parece apenas um nome estranho e sem significado algum. Ele só começa a fazer mais sentido quando pronunciamos seu nome calmamente. Ele parece soar como “tri-pax sept-alice”. Com o auxílio de uma calculadora, chegamos a conclusão que 2037 (número do Tripaxeptalis) é igual à 3 vezes 679 e 7 vezes 291, que são os números dos asteroides 679 Pax e 291 Alice, respectivamente.

Asteroides com nomes de esportistas

Obviamente que os esportistas não ficaram de fora. Alguns dos principais astros do esporte em todo o mundo já tiveram seus nomes imortalizados em asteroides, como o enxadrista Anatoly Karpov, que inspirou o nome do asteroide 90414 Karpov. Já os asteroides 128036 Rafaelnadal e 230975 Rogerfederer, têm seus nomes em homenagem aos maiores vencedores do tênis masculino.

No futebol, os asteroides 14282 Cruijff, 79647 Ballack, 82656 Puskás e 10634 Pepibican, receberam os nomes em homenagem respectivamente a Johan Cruyff (Holanda), Michael Ballack (Alemanha), Ferenc Puskás (Hungria) e Josef “Pepi” Bican (Áustria e Tchecoslováquia). Depois de se aposentar do futebol, Pepi Bican se tornou um astrônomo amador e ficou muito honrado em ter seu nome em um asteroide.

Michael Ballak (a esquerda) e Johan Cruyff (a direita), jogadores de futebol que deram nome a asteroides
Michael Ballak (a esquerda) e Johan Cruyff (a direita), jogadores de futebol que deram nome a asteroides

Brasileiros no espaço

Muitos dos turistas que viajam para todos os cantos do mundo gostam de dizer que “tem brasileiro em todo lugar”. No espaço não é diferente. Um exemplo é o asteroide 33478 Deniselivon nomeado em homenagem a Denise Sevilon, Bióloga da USP. O 33478 Deniselivon foi descoberto em 1999 pelos astrônomos brasileiros Cristóvão Jacques e Luiz Duczmal que também batizaram o asteroide 66454 Terezabeatriz em homenagem à pedagoga Tereza Beatriz Braga e o 85970 Fundacaoterra, em homenagem à Fundação Terra, uma instituição filantrópica que há mais de 30 anos realiza ações de combate à fome e à miséria no Nordeste Brasileiro.

Outro astrônomo e professor brasileiro, Felipe Braga Ribas, teve seu nome imortalizado no asteroide 10999 Braga-Ribas em reconhecimento à sua significativa contribuição para a área. Tal homenagem também foi feita pela IAU aos professores da UNESP de Guaratinguetá Valério Carruba, Silvia Winter e Othon Winter, que nomearam os asteroides 10741 Valeriocarruba, 10696 Giuliattiwinter e 10697 Othonwinter.

Órbita do Asteroide 10999 Braga-Ribas
Órbita do Asteroide 10999 Braga-Ribas. Fonte: JPL/NASA

Atualmente, existem cerca de 22,5 mil asteroides nomeados. Evidentemente que aqui, falamos apenas de uma pequena parte deles. Mas na lista completa há representantes de todas as áreas das Ciências, Artes e Esportes, além de personagens de ficção, seres mitológicos, lugares, entre outros. Para evitar exagero e falta de bom senso, todos os nomes devem ser aprovados pela União Astronômica Internacional. Mas de toda forma, eles sabem como a nomeação de um asteroide pode ser um incentivo a mais para os astrônomos que se dedicam na busca por esses objetos.

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