Noticiado por alguns veículos de comunicação, inclusive pelo Olhar Digital, o evento de transferência de bitcoins à Lua gerou grande repercussão entre os radioamadores brasileiros. A maioria deles não acredita que a ação possa ter de fato ocorrido e, caso o tenha, eles alegam ter sido um ato irregular. Tanto a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (LABRE) de Minas Gerais quanto a entidade nacional emitiram notas oficiais em suas páginas na internet em que contestam o feito. A LABRE enviou ofício à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) solicitando a apuração do caso.

Marcio Gandra realizando testes antes do experimento de envio de bitcoins à Lua. Órgãos reguladores contestam veracidade do feito. Imagem: Arquivo Pessoal

De acordo com a LABRE-MG, diferentemente do que foi afirmado pelo desenvolvedor de blockchain Marcio Gandra, “ele não é e nunca foi” associado ao órgão.

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“Acrescentamos ainda que a LABRE-MG recebeu correspondência eletrônica do referido senhor aonde [sic] o mesmo solicitava auxílio para realizar o licenciamento de estação de radioamador, já que havia sido aprovado nos exames para a Classe C e não conhecia o procedimento posterior necessário”, afirma a associação, em nota oficial assinada pelo presidente Artur Moreira.

“Assim como fizemos e temos feito em diversas outras ocasiões, a LABRE-MG procura orientar quanto aos procedimentos necessários e presta auxílio gratuito aos interessados. Assim foi feito com o Sr. Marcio Gandra. Além disso, foi-lhe oferecida a possibilidade, a seu critério, de associar-se à LABRE-MG. Porém, esse último passo encontra-se SUSPENSO, não tendo sido o mesmo arrolado como associado”, diz o comunicado.

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A entidade representante dos radioamadores de Minas Gerais destaca, ainda, que, mesmo se fosse o caso de Gandra ser associado, isso não seria o suficiente para credibilizar o feito.

De acordo com a entidade, conforme consta em seu Estatuto, a LABRE-MG não responde por atos praticados por seus afiliados. “Assim, ainda que o Sr. Marcio Gandra de fato fosse nosso associado, o que não o é, os atos por ele praticados jamais poderiam ser aceitos e muito menos apoiados pela LABRE-MG, especialmente no tocante ao assunto atualmente em baila”, afirma a associação.

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Uso pecuniário do rádio é proibido pelas legislações nacional e internacional

Segundo nota da assessoria de comunicação da LABRE nacional, “a legislação internacional, especificamente as Radio Regulations, RR1-1, item 1.56 da ITU, União Internacional de Telecomunicações (clique aqui para ler), diz taxativamente que as estações do Serviço de Radioamador devem operar without pecuniary interest, ou seja, sem interesse pecuniário”.

Quanto a isso, Gandra se defende alegando que o procedimento por ele realizado não se enquadraria como de interesse pecuniário. “Sabe o que é o uso pecuniário do rádio que a Anatel quer evitar? Ela quer evitar que as pessoas comercializem produtos e serviços. É muito diferente de utilizar o rádio para transmitir uma informação em que um processo financeiro está ocorrendo ali. Isso é muito diferente”.

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Entretanto, a LABRE deixa claro em seu comunicado que a interpretação de Gandra está equivocada. “A legislação brasileira (Art. 3º da Resolução 449/2006 da Anatel) é igualmente taxativa quanto à vedação do uso de estações do Serviço de Radioamador para fins comerciais e pecuniários. É importante destacar a utilização dos termos comercial, onde o lucro é subjacente, e pecuniário, que define explicitamente qualquer uso financeiro ou que envolva dinheiro, mesmo que não exista lucro. Isto demonstra cabalmente a vedação ao uso financeiro, seja por qual modo ou por qual motivo for”.

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A entidade afirma que, “em consonância com a legislação brasileira e internacional que é cristalina e pacífica neste ponto, a LABRE condena o uso das faixas de radioamador para validação, concretização ou qualquer outro uso que envolva dinheiro, mesmo que não caracterize o lucro, e recomenda aos radioamadores brasileiros e demais radioperadores que não pratiquem ou participem de qualquer experimento desse tipo, sob pena de sofrer as sanções da Lei”.

Liga dos radioamadores apresenta dados à Anatel que questionam veracidade do feito

Em ofício enviado à Anatel, a LABRE apresenta análise técnica baseada em dados fornecidos pelo próprio autor do evento. Os cálculos podem ser vistos neste link e demonstrariam, segundo o documento da associação dos radioamadores, a “impossibilidade” da ação.

Equipamento utilizado por Marcio Gandra e sua equipe levantam suspeitas de que o evento seria tecnicamente impossível de ser realizado. Imagem: Arquivo Pessoal

“À parte das dificuldades técnicas e práticas para um enlace tal como descrito, o fato é que a operação envolveu a utilização de equipamento de radioamador para uma transação financeira”, diz o documento.

Em recente entrevista ao Olhar Digital, Gandra, mais uma vez, garante que o evento é verídico e questiona a ambiguidade das acusações. “Eu li uma crítica de um radioamador de categoria PY, que é a mais alta do radioamadorismo, e, entre outras ofensas, algumas injúrias, calúnias e difamação, ele convocou o grupo dele para causar um flood de mensagens negativas em algumas matérias, dizendo que aquilo não tinha ocorrido e que as pessoas não tinham licenças”, afirma Gandra.

“O que fica até ambíguo, porque se o evento não ocorreu, então não tem nada ilegal. E se o evento ocorreu, e de fato ocorreu, nós temos a parte legal também amparada”, garante. 

No ofício, a LABRE também denuncia que os envolvidos na ação praticaram uma operação não autorizada. “Vemos que pode também estar envolvida uma operação não autorizada, já que não foi possível identificar nenhuma autorização ou licença para o serviço de Radioamador ligada ao autor do fato em consulta ao painel de outorga e licenciamento da Anatel, ainda que o mesmo seja possuidor de Certificado de Operador de Estação de Radioamador (COER)”. 

A entidade afirma, ainda, que alguns radioamadores tentaram contato com Gandra pedindo maiores informações e seus indicativos, bem como dos demais envolvidos, mas, em resposta, foram bloqueados. 

Sobre esse ponto, ele explica que o fato de não divulgar seu prefixo PU pode ser atribuído a uma questão de segurança. “Divulgamos apenas o PX. Porque, a partir do momento que você tem aquele indicativo ali, o prefixo PU, as pessoas consultam seu nome completo, seus dados pessoais, e nós vivemos em um mundo onde esse tipo de exposição não é interessante. Você tem que se precaver realmente”.

Ao fim do documento, a LABRE pede averiguação detalhada por parte da Anatel, alegando haver “fortes suspeitas de violação da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 16/7/1997 Capítulo II, Art. 183) e Resolução 449/2006 da ANATEL em seu Art. 3º”. 

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