Por Carlos Baptista*
Há algum tempo, tenho alertado leitores: o crescimento da transformação digital no Brasil caminha em um ritmo lento. Não se trata apenas de digitalizar processos, produtos e serviços para melhorar o desempenho e otimizar os resultados de uma empresa. É necessário que o contexto seja visto como um processo cultural que deve ser permanente nos negócios.
Uma pesquisa recente não só chancela esta ideia, mas também amplia o horizonte para novos debates: a transformação digital ainda está em nível intermediário no mundo. E isso preocupa – e muito -, mas antes vamos abordar o levantamento propriamente dito.
O estudo divulgado no fim de maio pela consultoria internacional Bip aponta que a escala obtida junto às lideranças das maiores empresas globais foi de 2,7. Número este considerado intermediário em relação à maturidade digital, numa escala que vai de 1 a 5.
O principal objetivo desta análise foi identificar concorrentes e mapear boas práticas em projetos de transformação digital em grandes empresas globais.
Foram entrevistados, nesse sentido, 50 líderes das maiores multinacionais globais sediadas nos continentes americano, europeu e asiático, dos setores de energia, óleo e gás, finanças, mineração e tecnologia. Do total das empresas pesquisadas, 15% são brasileiras.
De acordo com essa pesquisa, nos modelos de negócio B2C (business to consumer, na sigla em inglês), o processo de transformação foi acelerado pela pandemia e a grande maioria das organizações entende que essa transformação é necessária até para sobreviver.
Mas as organizações começaram com iniciativas de transformação digital fragmentadas, o que acabou por gerar um maior esforço de integração.
Para 70% dos líderes das empresas, a transformação digital é uma possibilidade de diversificar os negócios e/ou gerar um novo modelo de negócios.
Eles veem os meios tecnológicos e organizacionais como grande desafio, principalmente para escalar as soluções e descentralizar a tomada de decisão. É aí que vem a preocupação! Não é contraditório, numa era de evolução exponencial da tecnologia, este ser um dos principais desafios?
A transformação digital é sobre qualquer mudança que coloca o ser humano no centro de tudo, e a tecnologia é a viabilizadora dessa revolução e não o contrário.
Talvez a principal questão da transformação digital seja mais a mudança de mindset em toda a organização do que uma revolução propriamente dita.
Por exemplo, o termo transformação digital, nos últimos anos, foi associado à inovação e à disrupção. Mas é realmente isso? Vamos simplificar o conceito: no dicionário, “transformação” significa qualquer tipo de alteração que modifica ou dá nova forma.
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A transformação digital, assim, acabou por ser associada a essa mudança por intermédio da aplicação de novos modelos e tecnologias.
De acordo com estudos, a grande maioria das empresas continua focada na digitalização dos processos, principalmente por questões de redução de custos e otimização, ao invés de investir na mudança cultural e de mindset de toda a organização.
Por tudo isso, precisamos continuar falando do centro da transformação para, de fato, sermos protagonistas da transformação digital. Ou seja, falar sobre pessoas.
Tendo isso em mente, é possível elencar algumas dicas:
- Pensar em uma cultura organizacional
Esse é um dos principais desafios, porque o novo mindset precisa ser treinado e adotado.
Algumas empresas treinam áreas ou níveis hierárquicos, principalmente até o nível da média gestão, mas se esquecem do resto da organização, inclusive, da alta gestão.
Muitos C-levels, executivos e gestores ainda estão no modelo tradicional de gestão por comando e controle. Quem está na alta liderança também precisa mudar o seu próprio mindset até para entender o que é transformação digital e como incentivá-la.
- Transformação
É um processo constante. Tradicionalmente, as empresas entendem como transformação uma mudança de um ponto A para um ponto B. Exemplos dessas transformações são a migração de uma tecnologia, a implantação de um novo sistema, etc. Ou seja, algo com princípio, meio e fim.
Para a liderança, essa mudança constante é assustadora. Por esse motivo, as mudanças devem ser feitas em pequenas transformações, mas constantemente.
Por outro lado, existe a necessidade de ressignificar como escalar nesse novo modelo. No mais tradicional, o pensamento é, por exemplo, escalar em quantidade de produção ou resultado final.
No processo de transformação digital, o conceito de escalar consiste na capacidade de personalização. Quanto mais o produto estiver personalizado, mais se coloca o ser humano no centro.
- Cliente
Quando pensamos em transformação digital, o primeiro movimento é adotar tecnologias que permitam a organização se aproximar do cliente. Por exemplo, nos modelos B2C, o primeiro movimento é criar novos canais como delivery ou comércio eletrônico.
Na verdade, as empresas precisam focar em qualquer iniciativa que mude a experiência do cliente, independentemente de utilizar tecnologia ou não.
E essa experiência precisa ser diferente e não pode ser focada somente no cliente final: os profissionais da organização também precisam ter uma experiência diferenciada. Se este movimento partir de dentro da empresa, naturalmente será exteriorizada e potencializada para clientes finais.
A transformação é mais simples do que pode parecer. Para isso, precisamos ressignificar seu conceito.
O contexto precisa ser entendido e cuidado de um modo completamente diferente do que foi até agora. Precisamos abrir as cabeças para um novo modelo onde as premissas e paradigmas dos modelos de gestão precisam ser desafiados.
Os modelos tradicionais nos trouxeram até hoje, e servirão por muito tempo. Mas novas necessidades exigem que estejamos abertos às novas habilidades e a um novo mindset.
*Carlos Baptista é especialista em transformação digital e processos ágeis para empresas. Professor e coordenador do núcleo de seleção de alunos do MBA da FIAP, ele é também empresário, consultor de negócios e mentor, com mais de 30 anos de experiência em TI no Brasil e Portugal.
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