De acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira (29) na revista Science, as mudanças climáticas estão acentuando ainda mais os conflitos entre humanos e animais selvagens ao modificar os ecossistemas e comportamentos, o que pode aprofundar os contatos — e a competição potencial — entre pessoas e animais

Estudo da Universidade de Washington estabelece relação entre as mudanças climáticas e os conflitos entre humanos e animais selvagens. Imagem: Sergey Nivens – Shutterstock

A professora de biologia e membro do Centro de Ecossistemas Sentinelas da Universidade de Washington, Briana Abrahms, responsável pelo estudo, vê a necessidade de expansão de pesquisas sobre as muitas maneiras pelas quais as mudanças climáticas podem vir a afetar a complexa interação entre as atividades humanas e as populações da vida selvagem.

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Em entrevista ao UW News, Abrahms explicou que incorporar as mudanças climáticas aos estudos das interações entre humanos e animais selvagens não só irá ajudar os cientistas a encontrar maneiras de mitigar os efeitos desses conflitos. Isso também pode alertar os legisladores, especialistas e cidadãos comuns sobre as fontes potenciais de conflito entre humanos e animais selvagens antes que elas ocorram.

“Já faz algum tempo que estou examinando esse assunto. Mas, fiquei realmente motivada quando tive dois exemplos claros de ecossistemas completamente diferentes diante de mim, onde eventos climáticos extremos levaram a um conflito catastrófico”, disse a pesquisadora. “Isso me fez pensar o quão prevalente isso é globalmente”.

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O primeiro evento, segundo Abrahms, aconteceu em 2015 e 2016, quando houve um aumento dramático no número de baleias emaranhadas em redes de pesca na costa oeste dos EUA. Ele foi fruto de dois outros: “Primeiro, as baleias se moveram mais para a costa para perseguir suas presas, que haviam se movido durante a onda de calor”, explica.

“Em segundo lugar, mudou o calendário da temporada de pesca do caranguejo Dungeness. Essa conjunção da mudança na forma como as baleias usam seu espaço disponível no oceano e o momento dessa pescaria criou essa tempestade perfeita de sobreposição e levou diretamente a um aumento do emaranhamento de baleias”.

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Alteração no comportamento das presas por fator climático, levou baleias a se moverem para a costa oeste americana exatamente no período de pesca, o que fez com que grande parte delas se emaranhasse entre as redes. Imagem: UniPlanet

O outro caso veio de um relatório do governo de Botswana, onde Abrahms executou grande parte de seu trabalho de campo. O documento citava alguns dos maiores números de conflitos entre humanos e animais selvagens registrados — principalmente grandes carnívoros atacando o gado — durante uma seca extrema em 2018.

De acordo com a pesquisa de Abrahms, os eventos climáticos têm enormes implicações para a biodiversidade, saúde humana, economia e qualidade de vida, entre outros fatores. “Mas, um esforço mais concentrado dos cientistas para considerar a influência da mudança climática nesses conflitos poderia nos ajudar a prever quando esses conflitos ocorrerão — talvez até mesmo evitá-los”, acredita.

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Poucos estudos de conflito homem-vida selvagem fazem conexão com a mudança climática

“Temos procurado na literatura científica e relatórios governamentais, mas, no máximo, vemos algumas dezenas de pesquisas nesse sentido”, lamenta a cientista. 

Alguns fazem conexões mais diretas entre as condições ambientais e o contato homem-vida selvagem, como o que trata do emaranhado de baleias. Já outros, são mais superficiais, segundo ela. “Estou esperançosa porque estamos vendo mais e mais órgãos governamentais reconhecendo essa conexão, incluindo muito recentemente a União Internacional para a Conservação da Natureza”.

No entanto, Abrahms afirma que ainda não houve esse reconhecimento direto pela comunidade científica mais ampla de que a mudança climática vai alimentar conflitos entre humanos e animais selvagens mais intensos e frequentes.

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A pesquisadora acredita que esse é um processo complexo. “Há muitas coisas envolvidas na criação desses conflitos. Entendê-los envolve compreender o ecossistema, bem como os fatores sociais ou econômicos que levam as pessoas a usar o espaço ou recursos que as colocam em competição com os animais. As relações humanas ou atitudes em relação à vida selvagem também desempenham um papel enorme, em termos de quanta tolerância as pessoas têm para entrar em contato com a vida selvagem e como elas respondem a esses encontros e potenciais danos à propriedade ou perda econômica da vida selvagem”.

Formas pelas quais os fatores climáticos influenciam nos conflitos entre humanos e animais selvagens

De acordo com o estudo de Abrahms e sua equipe, muitos casos são um claro aumento de conflito durante ou logo após um evento climático extremo, como a onda de calor marinha que alimentou um aumento no envolvimento de baleias na costa oeste ou o aumento de conflitos entre humanos e animais selvagens durante e após a severa seca em Botswana.

“Mas também vemos um aumento nos conflitos devido à variabilidade climática”, diz a professora. “Um estudo de duas décadas no Novo México relatou que a frequência de ursos negros que entram em contato com humanos e animais varia com o ciclo El Niño / La Niña. Basicamente, o La Niña cria condições de seca para os ursos, e eles vagam mais amplamente em busca de alimentos e exploram recursos alimentares alternativos — e então você vê mais relatos de ursos entrando em contato com o gado, danificando propriedades e vasculhando o lixo”.

Mudanças climáticas de longo prazo também criam conflito. Segundo a pesquisa, na Índia, a mudança climática de longo prazo reduziu a quantidade de pasto das ovelhas azuis, ou bharal, que se mudaram para altitudes mais baixas para se alimentar de plantações humanas. “Isso é um conflito em si, mas o movimento de bharal também atraiu leopardos da neve, o que cria problemas adicionais”, explica Abrahms.

Em partes da África Ocidental e Central, estudos relacionaram o aumento das populações de babuínos, cujos predadores foram exterminados pelas pessoas, ao aumento do trabalho infantil. Os babuínos podem ser muito agressivos e atacar as plantações e, em resposta, as crianças foram retiradas da escola para proteger os campos agrícolas.

Esses conflitos também podem alimentar o surgimento de doenças. Nos EUA, a remoção de pumas levou a uma explosão das populações de veados, que por sua vez ocasionou um aumento da doença de Lyme, causada por carrapatos que se alimentam do sangue destes animais. 

Abrahms diz que “novas doenças também podem surgir, porque quando os humanos e a vida selvagem entram em contato mais próximo, há oportunidades para as doenças pularem dos animais para as pessoas”.

Com informações do Phys.org

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