Mais uma para colocarmos na conta do aquecimento global, já que, por causa dele, uma “guerra sobre água” vem se formando na Califórnia, EUA, e pode levar à morte de grandes quantidades de salmão e outros peixes da região, além de piorar a produção agrícola de bens que necessitam de irrigação para o plantio, como o arroz
Para entender a situação, é necessário um pouco de contexto: durante a atual seca do estado norte-americano, produtores de cereais, como o arroz, estão desviando rios californianos a fim de assegurar a irrigação de suas plantações. Entretanto, isso reduz o nível de água disponível para criadores de peixe, que buscam desvios próprios para continuar seus trabalhos na oferta de produtos da gastronomia marítima.
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Em meio a isso, o aumento da temperatura das águas, aliado ao espaço cada vez mais reduzido em rios e lagos de água doce, podem fazer de viveiros naturais de salmão e outras espécies uma espécie de “frigideira”, onde os peixes vão acabar cozinhando vivos antes de atingirem a maturidade sexual e conseguirem se reproduzir.
O governo da Califórnia tem emitido restrições legais, estabelecendo um volume máximo de desvio e até reduzindo a capacidade dos fazendeiros, pesqueiros e outros empresários do ramo de produzirem seus bens. Mas isso vem fazendo pouco para conter os ânimos das duas indústrias, que comumente vão à Justiça uma contra a outra.
“Nós temos que mudar o nosso foco, de pensar nesta seca como uma emergência que ocorre de vez em quando, para algo em um contexto mais a longo prazo”, disse Jeanine Jones, gerente de recursos interestaduais no Departamento de Recursos Hídricos da Califórnia.
Direitos sobre a água são um problema legal que remonta desde os anos da Corrida do Ouro, que na Califórnia durou de 1848 a 1855. Desde aquela época, a legislação tende a favorecer fazendeiros, empresas e cidades cujos direitos foram comprados até 1914; ou proprietários de terra cuja estrutura esteja no caminho ou vizinho a um rio. Esses geralmente são os últimos afetados por qualquer restrição.
Mas esse problema também afeta o Brasil: a bacia do Paraná, por exemplo, está enfrentando a pior crise hídrica já vista em 91 anos. A falta de água se dá muito pelo governo federal tomar para si os recursos hídricos a fim de usá-los em usinas hidrelétricas que vão levar energia para os estados da região sul. O problema é que populações dependentes dessas águas acabam ficando sem uma forma de posicionar seus produtos.
Voltando à Califórnia, há ainda que se considerar a questão econômica: como cereais como arroz e peixes como o salmão vão ficando mais escassos, qualquer montante obtido desses dois produtos virá a preços escalados. Isso se reverte no aumento de preços de revenda e, consequentemente, nos que o consumidor paga.
Por exemplo: restaurantes de comida japonesa usam salmão e também arroz. Como os dois produtos estão mais caros, vários restaurantes já revisaram seus preços nos cardápios, a fim de compensar valores mais altos pagos na aquisição de suas matérias-primas e na elevação de custos trabalhistas.
“Os preços agora flutuam em uma base diária, muito mais do que qualquer outra época que eu me lembre, e olha que estou no mercado de restaurantes há mais de 20 anos. É assustador”, disse Tony Gentile, co-proprietário da cadeia de restaurantes Flagship, que tem 15 unidades espalhadas pelos EUA. O empresário admite, ainda, que estuda a ideia de importar remessas de arroz e salmão do Japão – uma vez que, segundo ele, os preços de produção interna estão se igualando aos que são internacionalmente tarifados.
Na pesca, outro exemplo, o impacto pode ser ainda maior: salmões jovens são soltos na água a fim de amadurecerem e gerarem novos peixes. Entretanto, o aumento de temperatura da água está fazendo com que eles procurem partes mais amenas do Oceano Pacífico, efetivamente bagunçando a ordem alimentar dos animais da região, além de trazer uma disrupção negativa em uma indústria que, anualmente, rende aproximadamente US$ 900 milhões (R$ 4,73 bilhões) ao estado da Califórnia.
“Cidades como São Francisco e Oakland já foram enormes pólos da indústria de pesca na costa oeste, mas à medida em que desviamos águas dos rios e destruímos habitats de reprodução marítima, esses pesqueiros entraram em colapso”, disse Jon Rosenfield, cientista sênior do grupo ambiental San Francisco Baykeeper.
Ainda assim, a competição causada pelo aquecimento global – essa “guerra sobre água” – dá sinais de que vai ficar mais acalorada, ao invés de reduzir seu nível. O Ato em fvor de Espécies Ameaçadas (Endangered Species Act), desenhado pelo governo para proteger espécies em risco de caça predatória, teve algumas restrições relaxadas pela administração do ex-presidente Donald Trump. A gestão do atual presidente, Joe Biden, está revisando esses relaxamentos e estudando como voltar a “apertar o laço”.
Por enquanto, porém, a situação não dá sinais de mudança, e reguladores terão que enfrentar produtores agrícolas e profissionais da pesca na justiça.
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