Em meio a blockbusters que ultrapassam a casa do US$ 100 milhões em orçamento e longas de super-heróis, é sempre gratificante – e um alívio – encontrar em cartaz nos cinemas uma produção com uma ideia original, ainda mais quando conta com atores e atrizes de peso no elenco e é dirigido por um nome com potencial. No entanto, este não é o caso de ‘Caminhos da Memória’, estrelado por Hugh Jackman e Rebecca Ferguson. Escrito e liderado por Lisa Joy (cocriadora e produtora da série ‘Westworld’), a Warner Bros. vendeu uma trama thriller de ficção científica nas prévias, porém entregou um filme de romance dramático – muito bem-feito, por sinal, mas nada inovador.
Através de uma máquina que oferece às pessoas uma chance de reviver momentos importantes de sua vida, a narrativa foca no apego ao passado e valoriza a importância de viver intensamente. A história se passa em uma cidade de Miami completamente inundada pelo mar devido ao aquecimento global, moldando um cenário distópico e intrigante ao bom estilo de neo-noir. Não obstante, as referências originais futuristas e cyberpunk limitam-se a isso, sem quaisquer explicações dos motivos que levaram a tais circunstâncias. Para certa parte do público, o fator não irá incomodar tanto, visto que o pano de fundo cumpre de forma regular o seu objetivo, mas fãs da diretora e da série do HBO que a ascendeu na indústria ficarão confusos em relação ao potencial do roteiro ter sido reduzido apenas ao “mocinho que faria de tudo pela amada”.
Ao menos, os protagonistas atuam bem e convencem quem assiste a se engajarem com a trama e ficarem atentos durante duas horas. Jackman interpreta o cientista e ex-militar Nick Bannister, um investigador da mente das pessoas e o criador da máquina que é capaz de observar todo tipo de memória. Quando se apaixona perdidamente e levianamente pela misteriosa Mae (Ferguson), que desaparece sem explicação após certo tempo, o personagem passa a se “viciar” no passado, viajando nas próprias lembranças com a amada para entender o que aconteceu.
Mesmo aposentado do papel de Wolverine, o artista de 52 anos mostra incrível vigor e disposição em cenas de ação e luta. Todavia o maior chamariz do trabalho em ‘Caminhos da Memória’ é, com certeza, a impressionante capacidade de fazer com que o público fique emocionado e se conecte ao personagem. Porém, isso ocorre sem exagero e apelo ao choro – algo parecido com o que ele fez em ‘Australia’ e ‘Os Miseráveis’, contudo em uma trama envolta em mistério, tal qual ‘A Senha: Swordfish’.
Ferguson, por sua vez, entrega uma atuação cheia de charme e destreza típica de uma femme fatale, porém não tem tempo hábil para conseguir convencer sobre o porquê de uma cantora de salão sem sorte com um vício secreto fazer, bem, o que está fazendo. Salvo pela incrível dinâmica cheia de tensão sexual com Jackman, a atriz é ofuscada diversas vezes ao longo do filme pela sensacional Thandiwe Newton, a Maeve Millay de ‘Westworld’, que como coadjuvante é mais interessante – e tem um arco melhor desenvolvido – do que a própria coprotagonista.
Vale ressaltar que a excelente interação da dupla Jackman-Ferguson já existe desde o ‘O Rei do Show’ e, em poucas cenas, é o ponto mais alto da produção, pois o romance é rapidamente construído em torno de paixão acima da média, todavia sem exageros de “eu te amo” a todo momento. Ambos desejam um ao outro, mas a motivação de desaparecimento de Mae repleta de busca por redenção e liberdade é capaz de chamar mais a atenção do público do que o anseio de Nick pelo relacionamento com amada.
Com toda essa reviravolta, ‘Caminhos da Memória’ abre espaço para focar nas consequências de olhar muito para trás e não para o presente. Mesmo destoando da premissa sci-fi thriller focada em reviver as memórias e abraçando o gênero de romance dramático, a ótima química da dupla de atores eleva a complexidade da reflexão proposta. Além disso, a qualidade da produção é um show à parte: trabalho de fotografia e de trilha sonora, junto ao excelente equilíbrio de efeitos especiais com paisagens naturais contribui para um resultado marcante em tela.
O roteiro do filme, porém, peca por vender uma trama original. Salvo a questão do romance em torno da trama, o olho mais atento irá perceber que o mundo de ficção científica construído por Joy “bebe da fonte” que inspirou vários clássicos como ‘Blade Runner’, ‘Relíquia Macabra’ (várias referências no quesito noir, diga-se de passagem) e, por último e mais notavelmente, ‘A Origem’.
Aliás, as referências ao filme de Christopher Nolan se tornam tão perturbadoras que o filme começa a beirar a cópia. Um dispositivo que permite a viagem mental? Tem. Uma velha canção usada para recordar a memória? Também. O fantasma de uma mulher bonita e misteriosa que assombra o nosso herói? Sim. Falas frequentemente repetidas pelo herói sobre uma jornada? Claro que tem! Um relacionamento torturante entre um homem rico e seu filho? Mas, quem diria: também existe em ‘Caminhos da Memória’.
Chega a ser chato, às vezes até sufocante – o que é uma pena, porque há elementos (como citados no começo do texto) que funcionam de forma independente, sem a necessidade de seguir um “manual de Nolan” de forma tão obsessiva.
‘Caminhos da Memória’ não é original, mas é bem produzido e “bonitinho”
Com ‘Caminhos da Memória’, a Warner Bros. erra ao vender originalidade (por mais que beba da fonte de ‘A Origem) e entrega um bom romance dramático noir, porém piegas. De qualquer forma, o longa é muito bem produzido e consegue equilibrar bem efeitos especiais com cenários naturais, além de contar com boa atuação romântica da dupla Jackman-Ferguson. A história é boa de assistir, claro, mas não espere algo surpreendente tal qual foi promovido.
Vale ressaltar: em um mês de agosto que ainda enfrenta a pandemia de Covid-19 e que tem em cartaz ‘Free Guy’, ‘O Esquadrão Suicida’ e ‘O Poderoso Chefinho 2’, o estúdio talvez tenha vacilado com a data de estreia da primeira produção de Lisa Joy para as telonas – visto que, provavelmente, terá que batalhar muito para ir bem nas bilheterias.
Ficou curioso com a trama de ‘Caminhos da Memória’? A estreia nos cinemas de Lisa Joy conta com elenco composto por Hugh Jackman, Rebecca Ferguson, Thandiwe Newton, Daniel Wu, Cliff Curtis e Angela Sarafyan. A produção chega aos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira (19) e 35 dias depois no HBO Max. Leia abaixo a sinopse oficial e aproveite para conferir o trailer acima:
“Nick Bannister (Jackman), um investigador particular da mente, navega o mundo sombrio do passado ajudando seus clientes a acessar memórias perdidas. Vivendo nas margens do litoral da Miami submersa, sua vida muda para sempre quando ele aceita uma nova cliente, Mae (Ferguson). Uma questão simples de achados e perdidos se torna uma perigosa obsessão. Ao lutar para descobrir a verdade sobre o desaparecimento de Mae, ele descobre uma conspiração violenta, e terá que responder à pergunta: até onde você iria para manter as pessoas que ama por perto?”
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