Se nós disséssemos que, na Austrália, existiu um pato que, na década de 1980, aprendeu a xingar as pessoas, você provavelmente responderia que começamos o feriado de 7 de setembro mais cedo. E mesmo assim, cientistas do país apresentam a você o “Ripper”, um pato-de-papada que não só descobriu como projetar sua “voz” em algo muito parecido com o inglês humano, como também imitava o som de uma porta batendo com força.

E como não poderíamos fazer uma afirmação dessa sem apresentar evidências, obviamente temos o áudio disso:

O som é bastante abafado, mas a gravação mostra Ripper vocalizando – ou, pelo menos, tentando – a ofensa “You bloody fool” (de todas as traduções possíveis, a mais leve que podemos mostrar aqui – mas sem perder o refino – é “seu maldito tolo”).

Na outra faixa gravada, vem o som da batida “na porta” – ou, ao menos, batida em qualquer superfície, com força, porque não basta termos um pato que aprendeu a ser abusado e xingar, mas também a ser debochado enquanto fazia isso:

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Patos-de-papada são conhecidos em inglês como “musk ducks” devido ao odor forte que exalam durante os períodos de acasalamento. Ripper, pelo visto, quis se destacar por outras razões. Segundo os cientistas, ele deve ter descoberto o “palavreado” ao observar repetidamente um ex-tratador, que provavelmente repetia a frase em sua presença.

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“Adquirir vocalizações por observação é algo conhecido apenas em um número limitado de grupos animais”, disse Carel ten Cate, da Universidade de Leiden, em um novo paper publicado na Royal Society Publishing. “No caso de pássaros, alguns tipos de rouxinóis, papagaios e beija-flores demonstram essa mesma capacidade”.

Segundo Cate, Ripper foi criado em cativeiro, na região de East Gippsland, Victoria, em setembro de 1983 – e foi “chocado” por humanos (em ambiente fechado, com luz artificial, antes que você imagine alguém sentado em cima de um ovo). Especificamente, ele nasceu na Reserva Natural Tidbinbilla. “Infelizmente, todos os documentos da reserva foram perdidos em um incêndio que arrasou a instituição em janeiro de 2003, tornando difícil estabelecermos detalhes mais exatos”.

Quinze anos depois, um outro pato, também criado na reserva, mas nascido e chocado pelos seus próprios pais biológicos, também exibiu traços de vocalização diferente (embora sem palavrões e ofensas): “este segundo exemplar aprendeu a imitar um Pato Preto (Anas Superciliosa), característico do Oceano Pacífico”.

Foto mostra um papo-de-papada macho nadando em uma lagoa na Austrália. Um exemplar desse tipo de pato aprendeu a xingar como os humanos
Um pato-de-papada macho, provavelmente pensando “Tá olhando o quê?”, seguindo de impropérios que não podemos reproduzir aqui. Imagem: Ken Griffiths/Shutterstock

Outras gravações mencionadas pelos cientistas revelam um pato-de-papada imitando o espirro de um cavalo e até o barulho de uma catraca enferrujada – adicionando “aleatório” a um rol de adjetivos que já inclui “abusado” e “debochado”.

“Junto de observações anteriores de diferentes populações e vocalizações diferenciadas em indivíduos criados em cativeiro, essas conclusões demonstram a presença de capacidade avançada de aprendizado vocal, comparável às vistas em beija-flores e papagaios”, disse Cate.

O motivo do estudo vem da completa “aleatoriedade” do assunto: ao contrário de papagaios e beija-flores, que têm relativa (ainda que distante) proximidade, os patos-de-papada estão bem mais isolados no reino dos aviários. Em sua família biológica (Biziura lobata), eles são exclusivos, e não têm nenhum parentesco com nenhum outro pássaro: além de distantes dos papagaios e beija-flores, eles também são isolados dos pássaros que imitam esses pássaros.

O motivo para isso, porém, provavelmente vem de um órgão que todos eles têm – e que patos-de-papada têm em tamanho avantajado: o telencéfalo, parte do cérebro associada à fala de papagaios e outros pássaros, é bem mais notável em aviários aquáticos, como cisnes, gansos e, sim, patos.

Não explica, porém, o porque desse pato aprender a falar, enquanto outros não passam do “quack quack”. Cate especula que isso se deu por evolução independente: segundo ela, quando pensamos na evolução como uma árvore, os animais mais próximos do “tronco”, como o pato-de-papada, são aqueles que criaram novos tratos bem cedo, enquanto os de evolução mais lenta ficaram para a “raiz”.

“O aprendizado vocal do pato-de-papada representa um caso de evolução independente, o que levanta muitas questões sobre mecanismos comportamentais e neurais envolvidos na evolução e adaptação da voz nessa espécie”, disse Cate.

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