Vários pesquisadores do Registro Australiano de Saúde da Vida Selvagem no zoológico de Taronga, junto a uma unidade forense do departamento de planejamento, indústria e meio ambiente de Nova Gales do Sul, estão tentando resolver um mistério: sapos e rãs estão morrendo sem explicação na Austrália. Desde o final de julho, os cientistas coletaram 1.200 anfíbios sem vida, ao todo.

Cerca de 70% dos animais mortos foram encontrados em Nova Gales do Sul, enquanto 22% aparecem em outro estado: Queensland. “Eu sei que estamos lidando com nossa própria pandemia, mas as rãs também estão lidando com uma pandemia e tudo o que está acontecendo agora é horrível”, disse a cientista Jodi Rowley ao jornal The Guardian, que ocasionalmente tem levado sapos mortos congelados que encontra em frente à porta de casa para levar ao laboratório do Australian Museum, onde árduas pesquisas e análises têm sido feitas para salvar a vida animal.

A bióloga especializada em anfíbios e cientista-chefe do projeto FrogID viu a rotina de trabalho mudar quando, no fim de julho, surgiram várias informações de sapos e rãs mortas por toda a Austrália. Como forma de filtrar os relatos, ela e Karrie Rose, chefe do Registro de Saúde da Vida Selvagem do país, pediram às pessoas que avistassem anfíbios moribundos que mandassem um e-mail ao departamento. Elas receberam 160 mensagens em 24 horas e 2 mil desde então. “É devastador receber os e-mails. Só imagino como é difícil para a população acompanhar isso”, disse Rowley.

Segundo os relatos, os anfíbios são encontrados semimortos e com pouca reação, secos e emaciados na cor bege em certo momento e, após poucos minutos, murchos e esqueléticos em tons de marrom. Outros sintomas, conforme os especialistas apontam, encontram-se nos olhos, que “simplesmente morrem” e não dão tempo hábil para o povo australiano (acostumado com a presença dos animais nas propriedades) ou os pesquisadores de tentarem salvá-los.

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Um dos sapos mortos que o Australia Museum investiga. Imagem: Carly Earl/The Guardian/Reprodução

Nos últimos dois meses e meio, os cientistas coletaram relatórios de 31 espécies diferentes afetadas em quase todos os estados e territórios. Destas, 30 espécies são nativas – incluindo sapos ameaçados de extinção, como os sapos-sino verdes e dourados, os sapos-sino do sul e o sapo-barrado gigante. A única espécie “gringa” é o sapo-cururu, originário das Américas Central e do Sul.

60% das rãs encontradas são pererecas verdes, algo provavelmente explicado pelo fato de serem uma espécie comum encontrada dentro e ao redor das casas das pessoas. “É extremamente difícil trabalhar com anfíbio porque eles se decompõem muito rapidamente e sempre foram considerados uma espécie enigmática”, explicou ao The Guardian Jane Hall, que trabalha com Rose no Registro Australiano de Saúde da Vida Selvagem de Taronga.

Os cientistas, então, têm conduzido necropsias em carcaças de rãs em um centro especializado de patologia no zoológico de Taronga, que funciona como necrotério e laboratório. No trabalho de dissecar os animais, há a procura por quaisquer indicadores de doença, além da remoção de amostras do fígado, rins, sangue e conteúdo estomacal para análise posterior. Já no Australian Museum, Rowley e a equipe observam os anfíbios em nível molecular.

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Muito parecido com um teste de Covid-19, a equipe limpa as rãs e sapos – geralmente na barriga e pernas – e também coletam uma pequena amostra de pele. Em seguida, eles realizam testes de DNA em busca de patógenos que possam indicar um vírus ou fungo. Atualmente, o “candidato favorito” para o que causou o evento de mortalidade em massa é o fungo quitrídeo, que tem sido responsável pelo declínio de mais de 500 espécies de anfíbios em todo o mundo.

A doença causada pelo organismo aparece mais durante os meses de inverno, quando o sistema imunológico das rãs e dos sapos fica mais lento. Alguns dos testes deram um resultado positivo, mas Rowley e Hall afirmam “que é muito cedo para tirar conclusões” e que mais investigações em campo precisam ser feitas – algo que a pandemia de Covid-19 tem atrapalhado um bocado.

Os pesquisadores têm trabalhado de forma bem próxima uma rede de veterinários em toda a Austrália, alguns dos quais armazenam sapos congelados para que possam ser entregues após os bloqueios por conta do isolamento social. Outros farão uma necropsia básica e manterão o resto da carcaça em um fixador para ser examinado microscopicamente mais tarde, com a aparelhagem adequada.

A comunidade de cientistas tem incentivados amigos e familiares a armazenarem os anfíbios sem vida em freezers para que possam ser recolhidos por pessoal adequado.

Separadamente, uma equipe forense está executando testes de toxicologia procurando coisas como pesticidas, metais pesados ​​ou outras toxinas ambientais nas regiões onde os sapos mortos foram encontrados. Por conta de uma recente praga de ratos em certos pontos da Austrália, os pesquisadores teorizam que uso generalizado de química possa ser a causa, “mesmo sendo improvável”, segundo Hall.

Freezer contendo algumas das amostras de sapos e rãs mortos. Imagem: Carly Earl/The Guardian/Reprodução

Rowley conclui afirmando ao jornal britânico que, se o responsável for o fungo quitrídeo, a situação atual seria o maior evento de mortalidade com animais na Austrália em mais de uma década. “A questão então é: por que isso estaria impactando muito mais agora?”, diz ela. “Quer tenha a ver com o clima, o inverno muito frio ou a interação com outro fator de estresse, como comida insuficiente ou poluição, pode ser algo [vindo] do exterior”.

Hall acredita que não há melhor exemplo de como um patógeno pode mudar – e ser mais violento – do que a atual pandemia. “Os patógenos estão sempre procurando maneiras de melhorar a forma como trabalham e se movem nos animais”, explica. “O quitrídeo pode mudar, então queremos ver se é o quitrídeo ao qual nossos sapos estão acostumados a ser expostos ou se é um tipo diferente”.

Ela ainda disserta que outra questão importante e ainda sem resposta é se os animais estão morrendo com a doença ou por algo a mais – isto é, se é apenas um fator contribuinte a outros estressores ambientais dos últimos anos, como secas, incêndios e mudanças climáticas. “Assim que entendermos melhor essas coisas, podemos ir para o próximo nível e ver até que ponto está se espalhando e que efeito a longo prazo pode ter nas populações vulneráveis ​​de anfíbios em toda a Austrália”, declarou. “Os sapos e rãs são provavelmente o melhor indicador de saúde ambiental (…) se algo estiver errado, eles nos avisarão”.

Fonte: The Guardian

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