Tempos de aquecimento global, crise climática, pandemia de Covid-19 ou mesmo o fato de estar vivo são aspectos assustadores, mas nada é tão aterrorizante quanto o luto recente. O fator em questão é o pontapé inicial de ‘A Casa Sombria‘, novo filme de horror psicológico (nada de “terror”, ignorem as propagandas) dirigido por David Bruckner – nome responsável pela futura ressureição de ‘Hellraiser‘ em 2022 – e estrelado por Rebecca Hall (‘Dorian Gray’, ‘Godzilla vs Kong’), que por mais que atue de forma magnífica, não salva a produção do tédio e da decepção.

Não me leve a mal, mas o longa – que lançado um ano e meio depois de ter sido elogiado no Festival Sundance de Cinema – é menos inteligente do que aparenta ser. Na trama, Beth (Hall) está em processo de luto por conta do suicídio inesperado do marido, Owen (Evan Jonigkeit). Ela tenta o melhor que pode para se manter bem, mas acaba tendo dificuldades por conta de sonhos e visões perturbadoras de uma presença na casa construída pelo casal.

A Casa Sombria
Rebecca Hall e Sarah Goldberg em cena de ‘A Casa Sombria’. Imagem: Searchlight Pictures/Divulgação

Em determinado momento, a protagonista começa a descobrir segredos obscuros do falecido marido, todos pertinentes à aparição de uma sinistra casa invertida do outro lado de um lago, que espelha a própria residência que moram. Bruckner é esperto o suficiente de trazer o melhor do conflito psicológico visto em outras produções em que esteve à frente, como ‘O Ritual’ (2017) e ‘V/H/S’ (2012) e entrega o filme quase 100% para Hall, que toma para ela a missão de fornecer excelente performance.

E consegue, felizmente pois a atriz foge da proposta do roteiro difuso e que tenta ser crescente para atuar de forma regressiva. Ou seja, ao invés de tentar ser a “mocinha” da narrativa, Hall piora como Beth a cada ato da produção – o que é excelente e palpável para o público. Em filmes de terror e similares, é fácil encontrar protagonistas que querem desvendar o mistério e “sair para o abraço”, mas a peça-chave de ‘A Casa Sombria’ demonstra medo em cada ação tomada.

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A Casa Sombria
Rebecca Hall atua de forma estupenda em ‘A Casa Sombria’. Imagem: Searchlight Pictures/Divulgação

Próximo ao fim da segunda parte do longa, inclusive, ela simplesmente desiste de continuar a entender o jogo entre realidade e ilusão que constrói o horror da trama e deixa o espectador com um sentimento confuso, mas no bom sentido. Se nem mesmo a protagonista que participar da trama, qual será o próximo dela a seguir? Junto às cenas emocionantes, momentos sádicos na tentativa de explicar o luto aos colegas e amigos e ao desespero paranoico, Hall e Bruckner entendem como cativar o público com boa atuação, porém não conseguem escapar do maior problema da produção: o roteiro.

Escrita por Ben Collins e Luke Piotrowski, a história de ‘A Casa Sombria’ entrega boas doses de horror e mistério, principalmente no primeiro ato, o que leva a uma segunda parte cativante e, por mais clichê de referências ao obscurantismo e macabro, inteligente. Porém, o filme começa a criar aquele potencial de te enganar quando você acha que tem todas as respostas – o que não seria ruim, caso o resultado final não ficasse aquém do esperado.

O terceiro ato de ‘A Casa Sombria’ esquece todo o clima de terror psicológico e direção precisa na sustentação da tensão e do suspense, para fornecer uma solução bem piegas atrelada a um detalhe que pode passar despercebido caso você não se atente aos primeiros 20 minutos do longa. O desenrolar a partir daí é repleto da luta do “ser humano do bem contra o espírito do mal”, repleto de diálogos clichês que claramente tentam fazer alusão ao luto proposto pela produção ou mesmo à ideia de o que acontece após a morte, mas mais parece a péssima ideia de sátira, algo parecido com o ‘O Segredo da Cabana’ (2011), de Drew Goddard.

Obscurantismo é mal explicado no filme. Imagem: Searchlight Pictures/Divulgação

A conclusão também incomoda. Não porque encerra a narrativa em aberto, tal qual quase qualquer produção hollywoodiana nos tempos modernos, mas sim por se contradizer na própria construção. Toda a questão que envolve o luto é romantizada e passa por uma subjetivização sobre aceitação da perda forçadamente querendo se passar por inteligente e, no fim, soa mais engraçada do que de fato profunda.

Já o lado obscuro e espírita da produção também tem várias pontas soltas e mal explicadas. O mistério em torno do passado de Owen e sobre o que ele de fato fazia é destrinchado em uma só fala, dando o sentimento de um segundo ato cativante e focado em Beth procurando por respostas totalmente desnecessário. Detalhes fornecidos como importantes ao público são, infelizmente, desnecessários ao longo de 110 minutos. Ou seja, ‘A Casa Sombria’ não dá um final digno nem à boa premissa que vendeu nos trailers e nem ao avacalhado terceiro ato que mudou totalmente o tom do longa.

Os atores e atrizes coadjuvantes não são tão necessários para a trama focada em Beth e Owen, porém têm momentos bacanas de glória. Vondie Curtis-Hall (‘Demolidor’) convence em qualquer papel que atue, mesmo que o roteiro não o favoreça e deixe claramente uma ponta solta sobre o fato do personagem dele saber mais do que contou. Já Sarah Goldberg entrega uma performance envolta do melodrama teatral e foge da costumeira visão que temos dela como Sally Reed na série ‘Barry’.

Produção técnica de ‘A Casa Sombria’ é digna, mas tem lá um ou outro incômodo. Imagem: Searchlight Pictures/Divulgação

Fora do roteiro e das atuações, o filme entrega uma produção simples, porém graciosamente detalhada. O barco, o lago e, principalmente, a casa são tão personagens da história quanto os atores em si e ajudam a ditar o tom de suspense psicológico ao lado dos jump scares e uma trilha sonora adequada. Nada que uma trinca de ótimas produtoras no gênero como a Anton, Phantom Four Films e a TSG Entertainment não fossem capazes de entregar no quesito técnico.

Algo que incomoda levemente é o jogo de ângulos e posicionamentos de câmeras em certos momentos de tensão e correria, além de vários enfoques nada focados. Proposta da produção ou não, soa mais como um trabalho mal-feito do que algo que complemente de fato.

Vale a pena assistir ‘A Casa Sombria’? Sim, mas não levem a hype tanto em consideração

Vale a pena assistir ‘A Casa Sombria’ nos cinemas? Sim, mas não levem a hype tanto em consideração. O filme tem sido divulgado pela mídia e crítica de forma exacerbada como uma produção focada em terror e assustadoramente perfeita, mas não é nada disso. Aliás, ouso a dizer que a produção de Bruckner foca mais na quase perfeita atuação de Hall para entregar uma trama focada no luto e na aceitação da perda.

Ou seja, falha como suspense psicológico, porém entrega um aceitável drama agonizante. Perdoem-me, fãs que aguardam o melhor filme de terror do século, ainda não é chegado o momento…

A Casa Sombria
‘A Casa Sombria’ falha como suspense psicológico, porém entrega um aceitável drama agonizante. Imagem: Searchlight Pictures/Divulgação

Ficou interessado em assistir ‘A Casa Sombria’? O longa estreia nesta próxima quinta-feira, em 23 de setembro de 2021, e conta no elenco conta com Rebecca Hall, Sarah Goldberg, Evan Jonigkeit e Stacy Martin. O filme é dirigido por David Bruckner e tem roteiro de Ben Collins e Luke Piotrowski.

Confira abaixo sinopse e trailer oficiais:

“Em ‘A Casa Sombria’, lutando por conta da morte inesperada de seu marido, Beth (Rebecca Hall) vive sozinha em sua casa à beira do lago. Ela tenta o melhor que pode para se manter bem, mas possui dificuldades por conta de seus sonhos. Visões perturbadoras de uma presença na casa a chamam, acenando com um fascínio fantasmagórico. Indo contra o conselho de seus amigos, ela começa a vasculhar os pertences do falecido, ansiando por respostas. O que ela descobre são segredos terríveis e um mistério que está determinada a resolver.”

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