Na superfície congelada do Lago Baikal, na Sibéria, acontece um verdadeiro espetáculo da natureza: pedras podem ser encontradas se equilibrando sobre pedestais estreitos de gelo em cavidades rasas, como se tivessem sido cuidadosamente esculpidas e colocadas ali. Essas rochas são chamadas de ‘pedras Zen’, e os cientistas finalmente descobriram como essas formações ocorrem, ao reproduzirem o fenômeno em laboratório.

Cada pedra Zen atua como uma espécie de guarda-chuva, protegendo apenas uma pequena coluna de gelo da radiação solar e evitando que ela derreta. Imagem: Maria Mosyagina – Shutterstock

De acordo com o estudo, publicado nesta segunda-feira (27) na revista científica PNAS, cada pedra atua como uma espécie de guarda-chuva, protegendo apenas uma pequena coluna de gelo da radiação solar e evitando que ela se sublime, resultando em uma fina estrutura de gelo capaz de sustentar a pedra.

Além disso, a irradiância (quantidade de energia do Sol que atravessa uma superfície a cada instante) do corpo negro no infravermelho distante da própria pedra cria uma depressão rasa ao redor da base do pilar.

Fenômeno das pedras Zen viralizou nas redes sociais

“Pedras Zen são estruturas naturais fascinantes que consistem em uma posição de pedra sobre um pedestal delgado gelo, cuja origem tinha sido muito mal interpretada”, afirmam os físicos Nicolas Taberlet e Nicolas Plihon, do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica da França, autores da pesquisa.

publicidade

“Demonstramos que eles são causados ​​por uma variação na taxa de sublimação do gelo circundante, o que leva à formação lenta de um pedestal, somando-se aos poucos relatos de formação de padrão impulsionada por sublimação”, explicaram.

Leia mais:

De acordo com o estudo, a compreensão desse processo lança luz sobre outros processos de ablação diferenciais encontrados em superfícies de gelo, como geleiras cobertas de destroços, cuja existência é ameaçada pelo aquecimento global e corpos gelados no espaço.

Por serem incrivelmente bonitas, as pedras Zen foram rapidamente compartilhadas de forma viral na Internet, com postagens de imagens em sites populares atribuindo o fenômeno à erosão eólica.

No entanto, conforme Taberlet e Plihon explicam, essas formações não mostram nenhum sinal de desgaste mecânico que estaria associado à ablação pelo vento; e as pedras Zen podem ser encontradas até mesmo em cavernas, o que oferece certo nível de proteção.

Formação de pedestais foi simulada em laboratório

Os pesquisadores procuraram explorar os mecanismos de formação desses pedestais de gelo recriando o processo em uma câmara de vácuo em um laboratório. Um disco de alumínio representando a pedra foi colocado em um bloco de gelo, que foi então sublimado sob a radiação infravermelha de corpo negro das paredes da câmara.

Pedras Zen na natureza e o experimento da equipe em laboratório. Imagem: Taberlet & Plihon, PNAS, 2021

Na ausência de um disco de alumínio, o gelo sublimava uniformemente, mimetizando a isotropia da luz solar difusa em um dia nublado. Quando o disco foi colocado no gelo, os pesquisadores observaram a formação de um pedestal, embora em uma taxa deliberadamente acelerada – na natureza, o processo de formação pode levar várias semanas.

Em seguida, eles empregaram modelagem numérica para entender o que estava acontecendo. Isso revelou que a radiação solar difusa sublima a superfície do gelo – isto é, transforma-o diretamente em vapor, contornando o estágio líquido.

No entanto, a presença da rocha resulta em uma taxa desigual de sublimação. Como dito, a pedra atua como uma espécie de guarda-chuva, deixando a coluna delgada mais protegida da radiação para sublimar por último.

A cavidade na base da coluna – conforme, notaram os cientistas, ao formato da rocha – era um pouco mais instável. No entanto, Taberlet e Plihon foram capazes de mostrar que essas cavas são moldadas pela radiação infravermelha de corpo negro transmitida pela própria pedra, que emite na faixa de temperatura de -20ºC a 0ºC.

“Embora o efeito guarda-chuva seja dominante em relação à dinâmica geral das pedras Zen, o infravermelho distante emitido pela pedra é um efeito secundário necessário, que cria a depressão em torno do pedestal”, relataram os pesquisadores.

Pedras Zen se equilibram de maneira diferente das mesas de geleira, embora fenômenos se assemelhem

Segundo eles, isso é muito diferente da formação de uma estrutura natural de formato muito próximo, mas muito maior – as mesas das geleiras, que se formam quando a luz solar direta derrete o gelo ao redor de uma grande rocha, criando um objeto que se parece muito com uma mesa.

“As mesas de geleira se formam porque a rocha pode atuar como um isolante térmico e, portanto, suas propriedades térmicas (condutividade e calor específico) são cruciais. A conclusão é exatamente oposta para as pedras Zen, conforme demonstrado por nossos experimentos”, explicam os pesquisadores.

“Além disso, como a condução de calor dentro das mesas das geleiras é crucial, existe uma espessura mínima (que depende do material) abaixo da qual a pedra afunda profundamente no gelo em vez de formar uma mesa. Esse regime não pode ser observado nas condições em que as pedras Zen se formam”. 

Já assistiu aos novos vídeos no YouTube do Olhar Digital? Inscreva-se no canal!