A Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel foi inaugurada na TV, com as séries ‘WandaVision’ e ‘Falcão e o Soldado Invernal’. O filme solo da Viúva Negra, que deveria ter inaugurado o arco pós-Guerra Infinita, foi adiado por causa da pandemia de Covid-19, e estreou no streaming meses depois do previsto. As séries ‘Loki’ e ‘What If..?’ seguiram com o calendário, bem como ‘Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis’. Mas quem escancara, de fato, as portas da nova fase do estúdio é ‘Eternos’, que estreia nesta quinta-feira (4).

‘Viúva Negra’ chegou alguns anos atrasado, e ‘Shang-Chi’ é um filme divertido e repleto de ação, bem ao estilo que a Marvel Studios consagrou na última década. Mas ‘Eternos’ é algo totalmente diferente – e talvez por isso esteja dividindo opiniões mundo afora. O longa funciona quase como uma história independente do resto da linha do tempo dos outros super-heróis, ao mesmo tempo que expande o universo cósmico apresentado em ‘Thor’, ‘Guardiões da Galáxia’ e ‘Doutor Estranho’. Nos próximos anos, a Marvel vai apostar na ousadia, e ‘Eternos’ é o cartão de visitas.

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Essa intenção é clara, ou então o produtor Kevin Feige não teria investido não só em um grupo que é relativamente desconhecido até para quem lê as histórias em quadrinhos (mais ainda que os Guardiões) e em uma cineasta que também não era tão acessível ao grande público, mas de personalidade marcante que se transmite para a tela. Claro, enquanto finalizava ‘Eternos’ a diretora Chloé Zhao venceu o Oscar por seu trabalho em ‘Nomadland’, mas isso foi depois. Antes, ela era conhecida por ser uma artista com uma imensa capacidade de capturar tanto o épico quanto o íntimo em seus filmes. E foi isso que ela fez aqui.

‘Eternos’ segue um grupo de super seres que protegeram a Terra desde o início da humanidade. Criados por seres cósmicos chamados de Celestiais, eles combatem criaturas monstruosas conhecidas como Deviantes – predadores da raça humana. E assim o fizeram por 7 mil anos, mas sem interferir em outros conflitos nos quais as sociedades se colocaram. O que, inclusive, explica satisfatoriamente a ausência do grupo durante os eventos de ‘Guerra Infinita’ e ‘Ultimato’, e a luta contra Thanos. Entretanto, cerca de 500 anos depois de derrotarem os últimos Deviantes, os monstros ressurgem e os Eternos devem se reunir para defender a humanidade mais uma vez.

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Richard Madden é orientado pela diretora Chloé Zhao no set ‘Eternos’. Imagem: Sophie Mutevelian/Marvel Studios

A origem dos personagens difere bastante dos quadrinhos. Nos gibis originais da Marvel, criados pelo gênio Jack Kirby em 1976, humanos, Deviantes e Eternos foram criados a partir dos mesmos primatas ancestrais. Os primeiros foram um experimento que deu errado, os últimos foram criados para corrigir os primeiros, e os humanos ficaram no meio-termo. O filme, entretanto, herda do material original o espírito do livro ‘Eram os Deuses Astronautas?, de Erich Von Daniken, que sugere que alienígenas possam ter influenciado na evolução da humanidade. Na época, a teoria era novidade. Hoje, não passa de uma curiosidade (um tanto quanto preconceituosa).

No filme, os Eternos influenciam sim no desenvolvimento das sociedades, mas muito mais por um apego aos seres humanos. Todos eles possuem poderes diversificados – uma combinação de pensadores e lutadores – que quando trabalham juntos, se complementam. Não à toa, seus feitos inspiraram mitos e lendas entre os humanos, e alguns dos seus nomes são lembrados até hoje.

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Por isso, ‘Eternos’ conta com o maior elenco de heróis apresentado de uma vez só da história das adaptações de quadrinhos para os cinemas. Para essa tarefa, a Marvel convocou atores e atrizes tão talentosos quanto diversos, em termos de gênero e etnia – o que é uma benção, já que se fossem todos brancos de cabelos loiros e olhos claros, não só o filme seria totalmente sem graça como seria quase impossível distinguir uns dos outros.  

Os Eternos são dez: Gemma Chan (‘Capitã Marvel’) interpreta Sersi, Richard Madden (‘Rocketman’ e ‘Game of Thrones’) é Ikaris, Barry Keoghan (‘Dunkirk’) interpreta Druig, Kumail Nanjiani (‘Silicon Valley’) é Kingo, Brian Tyree Henry (‘Atlanta’) assume o papel de Phastos, Don Lee (‘Train to Busan’) interpreta Gilgamesh, Lauren Ridloff (‘The Walking Dead’) é Makkari e a jovem Lia McHugh, de 14 anos, faz a Duende. Duas atrizes da realeza de Hollywood completam o elenco, com Angelina Jolie como Thena e Salma Hayek fazendo Ajak, a líder dos Eternos. Para completar, Kit Harington (também de ‘Game of Thrones’) faz Dane Whitman, que não é um Eterno, mas quem lê as HQs sabe que também não é um humano comum.

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A jovem Lia McHugh (Duende), de apenas 14 anos, é um dos destaques de ‘Eternos’. Imagem: Marvel Studios/Divulgação

Essa coleção de artistas é o primeiro grande trunfo do filme. É muita gente para apresentar num filme só (mesmo com mais de 2h30), mas eles são tão únicos que ao final da sessão você vai saber exatamente qual o poder de cada um e o que esperar das suas personalidades. James Gunn fez um ótimo trabalho apresentando os Guardiões da Galáxia, e Chloé Zhao provou que dá para ampliar isso, se feito da maneira certa. A trama de ‘Eternos’ se passa em dois períodos: no passado, quando eles eram uma equipe unida, e no presente, com o grupo fragmentado e separado.

Após o primeiro ataque de um Deviante, a jornada para reunir o grupo também nos apresenta os personagens pouco a pouco. E como um grupo que trabalhou junto por milhares de anos, mas agora está separado, há um misto de receio e nostalgia nesses reencontros. Não é por acaso que, quando eles vão apresentar uns aos outros para seus companheiros humanos, em muitos casos eles se referem como “meus amigos da faculdade”. É tipo isso, um grupo que convivia intensamente por um período, mas que a vida levou naturalmente para caminhos opostos.

Outro trunfo é diretamente relacionado à diretora. Chloé Zhao emprega um estilo naturalista de filmagem, baseada em locações reais e luz natural. Por isso, diferente de muitos outros filmes da Marvel, ‘Eternos’ se passa, sempre que possível, em locações reais. Como resultado, o filme tem um visual – e até uma textura – que difere muitos dos seus colegas de MCU. O uso de lentes grande-angulares e foco profundo coloca os personagens dentro do mundo em que vivem. O próprio Sol serve de holofote em muitos planos feitos na contraluz, que fazem de ‘Eternos’ talvez o filme mais bonito de toda saga Marvel.

Planos abertos e luz natural: Chloé Zhao deixa sua marca na Marvel. Imagem: Marvel Studios/Divulgação

Eternos também é um filme cheio de “primeiras vezes”. Apesar de já termos sido apresentados aos Celestiais, é a primeira vez que os veremos de fato, atuantes. É a primeira vez que um supergrupo tem a mesma quantidade de homens e mulheres. Pela primeira vez, na Marvel nos cinemas, temos um personagem abertamente gay, com direito a família feliz e beijo na tela. Também é a primeira vez que um filme da Marvel, notoriamente avesso à intimidade entre seus personagens, mostra uma cena de sexo. É a primeira vez ainda que temos uma super-heroína surda, que se comunica por linguagem de sinais.

Esse último aspecto é particularmente interessante. Como se passa em 7 mil anos de história, além do inglês, o filme tem diálogos em sumério, babilônico, sânscrito, hindi, árabe e espanhol. Não é raro que filmes de Hollywood invistam tanto em treinadores de dialeto para ensinar ao elenco línguas que já não existem ou que foram totalmente inventadas. Porém, a linguagem de sinais, foi quase que completamente ignorada até filmes como ‘Um Lugar Silencioso’ a colocassem em evidência.

No caso de ‘Eternos’, o mérito vai para Lauren Ridloff, que não só interpreta Makkari como ainda ajudou no processo de tradução e no desenvolvimento de signos para cada personagem. Até durante a filmagem, Ridloff e seu marido, junto com dois tradutores, ensinaram o restante do elenco a linguagem de sinais. Que mais artistas deem preferência a incluir pessoas da nossa vida real nas produções. Esse é mais um trunfo de ‘Eternos’.

Lauren Ridloff não só deu vida a Makkari em ‘Eternos’ como ajudou a traduzir os diálogos para linguagem de sinais. Imagem: Sophie Mutevelian/Marvel Studios

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Agora falando diretamente para o fã da Marvel, nos quadrinhos ou no cinema. ‘Eternos’ é um bom filme. Enquanto “cinema”, talvez um dos melhores do estúdio, porque ele funciona sozinho. As pessoas tendem a enxergar, com razão, a “parte pelo todo” quando se trata de MCU, mas esquecem que tem filmes bons e outros bem fracos pra ser sincero. ‘Guerra Infinita’ e ‘Capitão América e o Soldado Invernal’ são excelentes, mas dependem de você conhecer o universo. ‘Eternos’ vale por si só e, embora faça referência aos outros super-heróis, eles aparecem tanto na trama quando os personagens da rival DC Comics (sim, acredite!).

Ao mesmo tempo, o filme abre uma porta imensa de possibilidades para as próximas produções da Fase 4 do MCU. Tanto quanto, ou até mais, do que fizeram ‘WandaVision’ e ‘Loki’.  Se você já era fã do aspecto cósmico da Marvel e do trabalho de Jack Kirby, ‘Eternos’ será um deleite de assistir. Ah, e tem cena duas pós créditos, então não saia logo da sessão.

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