No fim de outubro, a Nasa e a Agência Espacial Canadense (CSA) anunciaram os vencedores da primeira etapa do Deep Space Food Challenge (Desafio Alimentar do Espaço Profundo, em tradução livre – DSFC). Entre os destaques internacionais da competição, cujos vitoriosos foram todos dos EUA, está uma equipe brasileira formada por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), unidade situada em Piracicaba (SP).

Megan McArthur, astronauta da Nasa, apreciando comida fresca na Estação Espacial Internacional. Imagem: NASA

Criada pela Fundação Methuselah, uma organização dos EUA sem fins lucrativos voltada para engenharia de tecidos e terapias de medicina regenerativa, a competição conta com o apoio das duas agências espaciais para premiar novas tecnologias ou sistemas que requeiram insumos mínimos e maximizem a produção de alimentos seguros, nutritivos e saborosos para missões espaciais de longa duração e que tenham potencial para beneficiar as pessoas na Terra.

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Além dos 18 vencedores norte-americanos, listados no site do desafio, a Nasa e a CSA também escolheram 10 projetos internacionais fora dos EUA e do Canadá, que receberam reconhecimento sem premiação em dinheiro. Segundo as agências, todas as 28 equipes selecionadas serão elegíveis para competir na Fase 2 do desafio, se forem financiadas.

Cada um dos 18 projetos vencedores receberá US$25 mil (o equivalente a quase R$141 mil). A premiação total soma US$450 mil (o que ultrapassa R$2,5 milhões).

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Conheça o projeto da USP listado entre os 10 melhores do desafio na categoria internacional

Liderado pelo professor de Floricultura e Plantas Ornamentais (RDIDP) Paulo Hercílio Viegas Rodrigues, pesquisador responsável pelo Laboratory of Tissue Culture Ornamental Plants (Laboratório de Plantas Ornamentais para Cultura de Tecidos – LTCOP), o projeto foi elaborado por uma equipe formada por alunos de graduação e pós-graduação da ESALQ-USP. 

Prof. Dr. Paulo Hercílio Viegas Rodrigues, líder do projeto da ESALQ-USP reconhecido pela Nasa e pela CSA. Imagem: Arquivo pessoal

Rodrigues é engenheiro agrônomo com mestrado e doutorado em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP), focado em biotecnologia vegetal, com ênfase em produção de mudas, atuando principalmente em cultura de tecidos vegetais, aclimatação, estudos de variação somaclonal, cultivo protegido e floricultura tropical.

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A equipe é composta pelo aluno de graduação em engenharia da computação Christian Aparecido Demétrio, além dos alunos de graduação em engenharia agrônoma Enrico Stephano Oliveira Mucciolo e Laura Minatel Bortolato. Também estão no time as engenheiras agrônomas Lilia Castro Pereira, que é aluna de pós-graduação em Ciências pelo Cena-USP, e Jéssica Fernanda de Oliveira Jacob, que faz pós-graduação em Recursos Florestais pela ESALQ-USP.

De acordo com Rodrigues, para participar do DSFC, o sistema de produção proposto deve ser adequado a um espaço com volume limitado, temperatura e umidade pré-estabelecidas, ter consumo mínimo de água e consumo limitado de energia elétrica. 

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“Além disso, deve ser eficiente por aproximadamente três anos, deixar o mínimo possível de resíduos e ter número de horas de trabalho limitado para manutenção e colheita dos alimentos pela tripulação”, explica o professor. “Todas essas variáveis têm que estar ajustadas para o funcionamento do sistema”.

Trabalhando com cultura de tecidos vegetais desde 2012, a equipe iniciou estudos com plantas ornamentais em jardins verticais (active living wall) em ambientes com restrição de iluminação em 2019, utilizando diferentes intensidades luminosas de luz LED.

A equipe iniciou estudos com plantas ornamentais em jardins verticais (active living wall) em ambientes com restrição de iluminação em 2019, utilizando diferentes intensidades luminosas de luz LED. Imagem: Paulo Hercílio Viegas Rodrigues – ESALQ-USP

“Percebemos que nosso local de trabalho era quase um laboratório espacial, já que trabalhamos em condições semelhantes às propostas pelo desafio”, disse Rodrigues, em entrevista ao Olhar Digital. “Adaptamos então os jardins verticais ao espaço disponível (em volume) na espaçonave, bem como às condições de cultivo propostas. Nosso diferencial foi utilizar a cultura de tecidos vegetais para fornecer o germoplasma necessário para manutenção das culturas no espaço e em Marte”.

Ele conta que o time já tinha resultados positivos no cultivo de morango nas condições de jardim vertical, e que eles resolveram incluir no projeto também uma cultura atípica, como a taioba, ambas ricas em vitaminas, sais minerais e propriedades antioxidantes, segundo Rodrigues. 

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Sobre o mérito destacado pela Nasa e pela CSA, ele diz que foi uma surpresa. “Realmente, emocionante e inesperado. Poder levar o nome da ESALQ-USP e do Brasil com o reconhecimento internacional deste trabalho foi um momento único para nosso grupo. A ficha ainda não caiu”.

Para ele, uma nova abordagem adotada durante a criação do projeto ajudou a equipe na conquista desse prêmio. 

Eles estudam também o efeito de alguns terpenos (óleos essenciais) na horticultura. “Apesar de não ser muito conhecido, o D-limoneno é um dos ativos em inseticidas eco-friendly. Utilizamos esse ativo regularmente em nossa estufa de cultivo com resultados muito satisfatórios no controle de pragas”, revela Rodrigues.  

“No estudo que fizemos, em fase final de publicação, aplicamos diferentes concentrações de D-limoneno no cultivo de tomate cereja. Constatamos um aumento significativo na concentração de carotenoides nos frutos dos tomates com o uso desse ativo. Como esse ativo pode ser utilizado também no controle do biofilme dos sistemas de irrigação, incluímos o D-limoneno no processo para limpar o sistema de irrigação. Além de limpar o sistema, ele também apresentou como efeito secundário benéfico o aumento da qualidade nutricional dos alimentos frescos produzidos em nosso projeto”, explicou.

Cultivo de morango nas condições de jardim vertical. Equipe resolveu incluir no projeto também uma cultura atípica, como a taioba. Imagem: Paulo Hercílio Viegas Rodrigues – ESALQ-USP

Embora esteja apto a seguir para a próxima etapa do programa, ainda não se sabe se o projeto terá o aporte financeiro necessário para isso. “Esse prêmio poderá ajudar a conquistar parcerias com outros colegas e instituições, criando uma linha de pesquisa de produção de alimentos ou fitoativos em condições de ambiente específico, podendo ser utilizados em estudos de sobrevivência no espaço”, acredita Rodrigues, dizendo que eles também estão abertos a parcerias e troca de informações com os outros competidores e com a própria Nasa.

Interessados em saber mais sobre o projeto e/ou propor algum tipo de apoio ou parceria, podem entrar em contato com o líder do estudo por e-mail.

Nasa transmite evento de divulgação do desafio na próxima semana

Na próxima terça-feira (9), a Nasa transmitirá um evento ao vivo pela na NASA-TV, no aplicativo e no site da agência, a partir das 11h EST (13h, pelo horário de Brasília), no qual mais informações sobre o DSFC serão detalhadas. 

Estarão presentes o astronauta aposentado da Nasa Scott Kelly e o astronauta aposentado da CSA Chris Hadfield, além das conceituadas chefs Martha Stewart e Lynn Crawford.

Martha Stewart também é apresentadora de TV, ganhadora do Emmy, empresária e autora de best-sellers. Já Lynn Crawford é uma chef canadense famosa por suas aparições no programa Food Network Restaurant Makeover, que é visto em mais de 16 países em todo o mundo.

De acordo com a gerente de desafios da Nasa, Angela Herblet, o programa vai destacar as soluções vencedoras e anunciar o que vem pela frente para as equipes. “Durante o evento, Stewart e Crawford também revelarão os vencedores de dois prêmios da Fundação Methuselah que serão concedidos a equipes internacionais que demonstraram inovação excepcional”, disse Herblet, por e-mail, ao Olhar Digital.

Vamos ficar de olho na live e torcer para que o projeto representante do Brasil seja um dos contemplados!

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