Cânticos antigos são uma forma divertida de mostrar facetas do nosso mundo que, demonstradas de outra forma, podem não ser tão interessantes e resultar na perda de mensagens importantes. Com essa ideia, pesquisadores recriaram uma antiga música pirata usando dados de tempestades marítimas, chamando atenção para o impacto do aquecimento global.
Quando falamos em “música pirata”, estamos aqui falando no sentido literal: a canção intitulada “What Shall We Do With a Drunken Sailor” (“O Que Vamos Fazer Com um Marinheiro Bêbado”, na tradução literal) é o que historiadores chamam de “sea shanty”, ou seja, canções entoadas por marinheiros para ajudar a passar o tempo durante os trabalhos diários de manutenção dos navios.
Abaixo, mostramos o trabalho feito pelos cientistas e, em seguida, uma versão contemporânea da canção, mais próxima da original, popularizada pela banda folk Irish Rovers, na década de 1960:
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“Historicamente, dados científicos são normalmente entregues de forma visual, na presença de gráficos ou ilustrações”, disse Richard Thompson, diretor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth, que colaborou com o projeto. “Entretanto, a combinação de som e imagem oferece alternativas significativamente mais atraentes para passar uma informação.
Segundo ele, “[o projeto intitulado] ‘Canção dos Mares’ é uma maneira inovadora de usar dados climáticos reais de forma a controlar a música. E com eventos naturais extremos aumentando em volume e ferocidade [nos próximos anos], não há barreiras para que esses princípios sejam aplicados para representar os efeitos de longo prazo do aquecimento global em nosso planeta”.
Inspiração veio do Brasil
Em 2015, o compositor brasileiro Eduardo Miranda, amplamente conhecido no Reino Unido por sua especialização em eletroacústica (e que hoje lidera o Centro Interdisciplinar de Pesquisa de Músicas Computadorizadas – ICCMR – na Universidade de Plymouth) criou o que foi chamado de “biocomputador musical”, um artefato que traduz a energia elétrica gerada pelo movimento de bolor (sim, o bolor que você vê em paredes, causado pela umidade) em som, e compôs “músicas” com ele – Miranda chegou a entoar um dueto com o bolor em um festival na época.
Com base no projeto do brasileiro, os cientistas Clive Mead e Dieter Hearle, também membros do ICCMR, buscaram desenvolver um projeto sonoro que compusesse um único, contínuo som musical que interpretasse dados que fluíssem de uma estação marinha de monitoramento. O problema: o resultado original trazia um som opaco, quase metalizado.
Foi aí que Mead percebeu que canções originais traduzidas nesse sistema poderiam ser mais atraentes, e analisando sete exemplares históricos de música pirata, escolheu “What Shall We Do With a Drunken Sailor” como prova conceitual para engajar o interesse público. A música em questão teve sua primeira gravação confirmada em 1839, mas é provável que uma versão anterior também exista – ela só não foi descoberta (ainda).
Nesta versão, a música refere-se a uma viagem para caçar baleias. Na época, era comum que a carne dos animais fosse comercializada em mercados costeiros. Na gravação de Mead e Hearle, um cantor profissional gravou diversas frequências da mesma música, que também conta com sons de diversos animais – incluindo baleias jubarte, baleias-piloto e golfinhos.
No que tange aos dados, eles foram coletados em fevereiro de 2014, em um período de 48 horas durante uma tempestade extrema que abateu a região sul de Devon e Londres, na Inglaterra.
A partir daí, foi apenas o trabalho de “casar” os tons agudos e graves da melodia original com os extremos e baixos de diversos fatores (temperatura, velocidade de vento etc.) da tempestade – um processo de tentativa-e-erro que exigiu vários reinícios até que, finalmente, os especialistas atingissem o resultado acima. A grosso modo, os picos da tempestade representados no vídeo acima mostram momentos de grande impacto climático na região do Reino Unido. Finalmente, a versão definitiva do projeto saiu, condensando dois dias de tempestade em uma música de mais ou menos três minutos e meio.
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