Uma pesquisa divulgada em formato de pré-print na plataforma arXiv, e já aceita para publicação pelo periódico científico The Astronomical Journal, revela previsões de como será o céu noturno se as empresas de satélites prosseguirem no ritmo atual de atividade, sem que haja uma regulamentação adequada.

De acordo com a autora do estudo, Samantha Lawler, Ph.D. em Astronomia pela Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, se as coisas continuarem como estão, em breve, um em cada 15 pontos de luz no céu será um satélite. “Isso será devastador para a pesquisa em astronomia e mudará completamente o céu noturno em todo o mundo”, lamenta Lawler.

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Para descobrir o quão gravemente o céu será afetado pela luz do Sol refletida em megaconstelações de satélites planejadas, a equipe liderada pela cientista construiu um modelo computacional de código aberto para simular o brilho desses satélites visto de diferentes lugares da Terra, em diferentes horas da noite, em diferentes estações do ano. “Também construímos um aplicativo da web simples com base nesta simulação”, afirmou Lawler em um artigo que escreveu para o site The Conversation.

Brilho dos satélites atrapalha observações astronômicas

Segundo a pesquisadora, o modelo usa 65 mil satélites nas órbitas preenchidas por quatro empresas: SpaceX Starlink e Amazon Kuiper (EUA), OneWeb (Reino Unido) e StarNet / GW (China). Ela explica que a simulação foi calibrada tendo como referência as medidas dos satélites Starlink, já que esses são os mais numerosos.

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Satélite da Starlink
Satélites da Starlink foram usados como referência para criação de modelo computacional da pesquisa. Imagem: AleksandrMorrisovich/Shutterstock

“Nossas simulações mostram que, de todos os lugares do mundo, em todas as estações, haverá dezenas a centenas de satélites visíveis por pelo menos uma hora antes do nascer do Sol e após o pôr do Sol”, disse Lawler. 

Ela revela que os locais mais severamente afetados na Terra são aqueles localizados 50 graus ao Norte e ao Sul do planeta, perto de cidades como Londres, Amsterdã, Berlim, Praga, Kiev e Vancouver. “No solstício de verão, nessas latitudes, haverá cerca de 200 satélites visíveis a olho nu durante toda a noite”, presume o estudo.

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Há alguns anos, Lawler analisa a dinâmica orbital do Cinturão de Kuiper, uma região de pequenos corpos além de Netuno. “Minha pesquisa se baseia em imagens de campo amplo e de longa exposição para descobrir e rastrear esses pequenos corpos e aprender sobre a história de nosso Sistema Solar”.

Segundo ela, as observações por telescópios, que são fundamentais para a maior parte dos estudos acerca do universo, “estão prestes a se tornar muito, muito mais difíceis por causa do desenvolvimento desregulado do espaço”.

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Embora astrônomos em todo o mundo estejam elaborando algumas estratégias de mitigação, essas táticas exigirão tempo e esforço que, na opinião de Lawler, deveriam ser pagos pelas empresas de satélites.

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Megaconstelações de satélites aumentam fluxo de lixo espacial

“A Internet Starlink pode parecer mais barata do que outras opções rurais, mas isso ocorre porque muitos custos estão ocultos. Um custo imediato é a poluição atmosférica das centenas de lançamentos de foguetes necessários para construir e manter este sistema”, explica Lawler. 

Isso representa um grave problema ocasionado não apenas pela rede de satélites da SpaceX, como por todas as demais megaconstelações: o aumento do lixo espacial. “Cada implantação de satélite despeja corpos de foguetes e outros detritos na já lotada órbita baixa da Terra, aumentando os riscos de colisão. Parte desse lixo espacial acabará caindo de volta à Terra, e as áreas do globo com as maiores densidades de satélites aéreos também terão maior probabilidade de serem literalmente impactadas”, alerta a pesquisadora.

Segundo Lawler, a SpaceX planeja substituir cada um dos 42 mil satélites Starlink após cinco anos de operação. Isso exigirá a retirada de órbita de uma média de 25 satélites por dia, o que corresponde a cerca de seis toneladas de material. 

Ilustração de internet via satélite no Brasil
Pesquisadora acredita que uma regulamentação mais eficiente pode diminuir o problema do alto fluxo de satélites na órbita da Terra. NIMEDIA/Shutterstock

“A massa desses satélites não irá desaparecer – ela será depositada na atmosfera superior”, explica a astrônoma. “Como os satélites são compostos principalmente de ligas de alumínio, eles podem formar partículas de alumina à medida que vaporizam na alta atmosfera, potencialmente destruindo o ozônio e causando mudanças na temperatura global”.

Isso ainda não foi profundamente estudado porque, de acordo com Lawler, a órbita baixa da Terra atualmente não está sujeita a quaisquer regulamentações ambientais. “Atualmente, a órbita baixa da Terra, onde todos esses satélites devem operar, está quase totalmente desregulada. Não existem regras sobre poluição luminosa, poluição atmosférica de lançamentos, poluição atmosférica de reentrada ou colisões entre satélites”.

Não deveríamos ter que escolher entre astronomia e Internet, diz pesquisadora

A despeito disso tudo, as empresas não param de lançar satélites em um ritmo cada vez mais frenético, segundo a pesquisa de Lawler, que garante que “os danos que eles causam ao céu noturno, à atmosfera e à segurança da órbita baixa da Terra não serão desfeitos mesmo se as operadoras forem à falência”.

Para a cientista, não há dúvida de que os usuários rurais e remotos da Internet, em muitos lugares, foram deixados para trás pelo desenvolvimento da infraestrutura da rede. No entanto, ela acredita que há muitas outras opções de fornecimento de Internet que não resultarão em custos tão extremos.

“Com cooperação, em vez de competição entre empresas de satélite, poderíamos ter muito menos em órbita. Ao alterar o design dos satélites, eles poderiam ger um brilho muito mais fraco, causando menos impacto no céu noturno”, propõe Lawler, afirmando que “não deveríamos ter que fazer uma escolha entre astronomia e Internet”.

“Mas sem regulamentações que exijam essas mudanças, ou forte pressão dos consumidores indicando a importância do céu noturno, nossa visão das estrelas em breve mudará para sempre”, avalia a pesquisadora.

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