Uma nova era de estações espaciais está para começar. Neste mês, a Nasa anunciou três propostas de desenvolvimento de estações espaciais comerciais, que se somam à apresentada pela Axiom Space no ano passado. De acordo com o site Space, essas propostas fazem parte do que tem sido chamado de “Espaço 4.0”, em que a tecnologia espacial é impulsionada por oportunidades comerciais. Muitos acreditam que isso é um ponto crucial para levar os humanos a Marte e além.

Ilustração 3D artística da estação espacial que a empresa Axiom Space planeja construir em substituição à ISS. Imagem: Axiom Space

Estações espaciais atualmente ativas são laboratórios estatais

Atualmente, há duas estações espaciais ocupadas em órbita baixa da Terra (menos de 2 mil km acima da superfície terrestre), ambas pertencentes a agências espaciais governamentais. 

Estação Espacial Internacional (ISS), ativa desde novembro de 2000, conta com uma população, normalmente, de sete tripulantes (no momento, são dez, considerando dois turistas espaciais que chegaram lá na última semana, junto com um cosmonauta). Ela serve de base colaborativa para estudos científicos de diversos países. Sua construção e montagem, ainda que tenham sido realizadas por diferentes nações, foram coordenadas pela Nasa, agência de participação mais ativa em sua manutenção e monitoramento.

Programada para se aposentar no fim desta década, após quase 30 anos hospedando tripulações de astronautas rotativas continuamente – o Congresso aprovou oficialmente para operar apenas até 2024, mas uma extensão é amplamente esperada -, a ISS tem sido um símbolo importante de cooperação internacional após a rivalidade da “corrida espacial” da Guerra Fria.

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Já o segundo laboratório orbital é o primeiro módulo da estação chinesa Tiangong, que foi lançado em abril de 2021 e é ocupado intermitentemente por três tripulantes.

Estação espacial chinesa Tiangong. Imagem: Alejo Miranda – Shutterstock

Assim, os planos para várias estações espaciais privadas representam uma grande mudança na forma como o espaço será usado. Ainda não se sabe, no entanto, se essas estações mudarão a maneira como as pessoas vivem no espaço ou vão manter as tradições dos habitats espaciais anteriores.

Nasa apoia comercialização do espaço

Toda essa mudança é impulsionada pelo apoio da Nasa à comercialização do espaço. Tudo começou, de fato, há cerca de uma década, com o desenvolvimento de serviços de carga privada para abastecer a ISS, como as naves de carga Dragon da SpaceX, e os veículos particulares tripulados, como os Crew Dragon da SpaceX, a Starliner da Boeing e a cápsula Orion, da Lockheed Martin.

Em 2020, a Axiom Space, startup norte-americana baseada em Houston, no Texas, fechou um contrato de US$140 milhões (pouco mais de R$798 milhões) com a Nasa para um módulo privado a ser anexado à ISS. A Axiom anunciou que o arquiteto francês Philippe Starck vai projetar um interior luxuoso.

Starck, que é uma referência mundial em design contemporâneo, compara o módulo da Axiom a “um ninho, um ovo confortável e amigável”, que conta com uma enorme área de visualização com janelas de dois metros de altura para os turistas observarem a Terra e o espaço.

Segundo a Axiom, o primeiro módulo deverá ser acoplado à ISS em 2024 ou 2025, com outros a cada ano. Quando a ISS for desativada, esses módulos se tornarão uma estação independente.

Para produzir o volume habitável de sua futura estação espacial modulada, a Axiom assinou  contrato com a empreiteira franco-italiana Thales Alenia Space, que construiu cerca de 50% do habitat da ISS para a Nasa e a Agência Espacial Europeia (ESA).

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Saiba quais empresas competem pela construção de estações espaciais em substituição à ISS

Agora, com o aporte de US$415 milhões da Nasa (algo em torno de R$2,37 bilhões), três outros grupos acabam de ser selecionados para a primeira fase da competição de destinos comerciais LEO (sigla em inglês para órbita baixa da Terra) da Nasa com o objetivo de construir estações espaciais de voo livre para substituir a ISS.

Primeiro, um grupo composto pelas empresas Nanoracks, Voyager Space e Lockheed Martin propôs uma estação chamada Starlab, para fornecer oportunidades de pesquisa, manufatura e turismo. 

Ilustração da Orbital Reef, estação espacial proposta pela Blue Origin
Projeto Orbital Reef, uma parceria entre a Blue Origin, a Sierra Space e a Boeing. Imagem: Orbital Reef

Isso foi quase imediatamente seguido por um projeto concorrente chamado Orbital Reef, desenvolvido em parceria pela Blue Origin, a Sierra Space e a Boeing. 

Por fim, um terceiro projeto, da Northrop Grumman, será feito de módulos baseados em seu veículo de carga Cygnus já existente.

Saiba mais detalhes sobre cada um desses projetos aqui.

Projetos devem priorizar o fator humano

Estações espaciais antigas, como a Salyut, a Mir e a ISS, foram projetadas em momentos de restrições de engenharia, o que deixou o conforto da tripulação em segundo plano. Com a modernidade e os avanços tecnológicos, estações espaciais privadas certamente serão mais habitáveis ​​do que as gerações anteriores.

Até pouco tempo, havia pouca pesquisa que se concentrasse na experiência vivida pelos astronautas em estações espaciais. Com as abordagens das ciências sociais, como as do Projeto Arqueológico da Estação Espacial Internacional (ISS Archaeology), os cientistas procuram entender a “microssociedade” que ocupa o laboratório orbital.

Desde 2015, o ISS Archaeology desenvolve novos entendimentos baseados em dados de como a tripulação da estação se adapta à vida em um contexto de confinamento, isolamento e microgravidade. 

O plano é tratar o laboratório espacial da forma como arqueólogos tratariam um sítio arqueológico antigo. Observando os artefatos de astronautas – dos utensílios de cozinha e sacos de dormir aos seus ícones religiosos e fotografias da família – os pesquisadores esperam ter novas ideias sobre como pessoas com diferentes experiências interagem entre si naquele ambiente.

Fazer essas observações e medições revela dados nunca antes considerados no projeto inicial de habitação da ISS. Uma das descobertas do estudo aponta que a tripulação não usa necessariamente os espaços dentro da estação da maneira como foram projetados.  Eles, por exemplo, personalizam diferentes áreas com exibições visuais de itens que refletem suas crenças, interesses e identidade – algo que não foi imaginado lá atrás.

Outro dado interessante é que a tripulação também não usa todos os espaços dentro da ISS igualmente. Pessoas de diferentes gêneros, nacionalidades e agências espaciais aparecem em alguns módulos mais do que outros entre os 16 que compõem a estação. 

Esses padrões estão relacionados à forma como o trabalho é dividido entre equipes e agências, bem como ao layout dos próprios módulos.

Um grande desafio da vida em órbita é a falta de gravidade. Itens como corrimãos, velcro, cordas elásticas e sacos plásticos que podem ser lacrados agem como “substitutos da gravidade”, fixando os objetos no lugar enquanto todo o resto flutua. 

A pesquisa do ISS Archaeology está mapeando como a tripulação adapta esses substitutos da gravidade para tornar suas atividades mais eficientes e como essa alternativa muda a forma de utilização dos diferentes ambientes.

Dessa forma, o programa alerta que, mesmo com projetos que abrangem grandes janelas e outros recursos de luxo adicionais, os designers e os engenheiros têm um longo caminho a percorrer para tornar as estações espaciais eficientes, confortáveis ​​e acolhedoras, especialmente para o mercado de turismo espacial previsto.

Os planos para estações espaciais de propriedade e operação privadas são inegavelmente ambiciosos e podem transformar a maneira como os humanos vivem nesses ambientes. No entanto, as empresas que trabalham nesses projetos devem considerar aquilo que não sabem sobre como as pessoas realmente usam os habitats espaciais.

Somente voltando-se para novos tipos de perguntas e pesquisas de uma perspectiva social e cultural é que eles serão capazes de fazer mudanças reais que podem melhorar o sucesso das missões e o bem-estar da tripulação.

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