O que você sente quando procura se comunicar com uma empresa e descobre que ela é mais uma “phoneless”?

Não para de crescer a quantidade de empresas que não mais oferece um número de telefone aos clientes que desejarem fazer contato. Nelas, o único meio de comunicação é o e-mail. Já escrevi sobre isto outras vezes: penso que, em algumas posições-chave nas empresas, por mais que avancem a tecnologia e as soluções tecnológicas, gente é insubstituível. Especialmente no Brasil, um país conhecido mundialmente pelo calor humano de seu povo.

Muitos anos atrás, quando os restaurantes de fast-food começaram a pedir aos clientes que limpassem suas bandejas, ou ainda nos pedágios, quando foram implantados os mecanismos de cobrança automática, tive vontade de aderir a movimentos que diziam não a essas soluções, com a bandeira de preservar os postos de trabalho.

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Em um tempo em que 40 milhões de brasileiros nem estudam nem trabalham e ouvem falar em “era pós-emprego”, ter que lidar com o mundo via e-mail não pode ser bom sinal. Empresas competitivas não sobreviverão sem a inteligência emocional que as máquinas e a linguagem fria dos e-mails e do zap ainda não conseguem transmitir. Não há comparação entre escrever uma mensagem que você, cliente, não sabe quando nem por quem será respondida e conectar-se direta e emocionalmente com uma pessoa do outro lado.

O próprio conceito de cidades e empresas inteligentes tem sido acertadamente colocado em xeque nos últimos tempos. Em artigo publicado na Exame em

29/09/2021, Carolina Riveira afirma que “o conceito de cidades inteligentes, as smart cities, virou quase folclórico ao ser muitas vezes associado a uma imagem um tanto quanto futurista de metrópoles com portas que se abrem sozinhas e carros autônomos. Mas a pandemia – e a necessidade de reinventar espaços para as próximas crises – tornou esse debate urgente como nunca”. Nesse mesmo artigo, especialistas destacam a importância de que a cidade seja capaz de ouvir os seus cidadãos. Ora, se as cidades, para serem inteligentes, precisam conhecer quem nelas habita, saber por que moram onde moram e como vivem; se, para isso, têm que se conectar e ouvir essas pessoas, como empresas que se isolam de seus clientes atrás da barreira do e-mail podem se considerar espertas?

Sempre haverá quem defenda essa conduta alegando custos, racionalidade e facilidade de gestão, mas nunca com o argumento da inteligência. Está em jogo aí, inclusive, uma questão mais profunda, especificamente ligada ao design dos produtos e serviços que tais empresas entregam. Quem irá reforçar o significado desses produtos e serviços? Um e-mail automático? Interagir diretamente com quem faz uso do que produzimos ainda é a única alternativa que funciona para descobrir e pôr em prática o que, de verdade, as pessoas esperam. Ainda mais em um mundo cada vez mais marcado pelas ansiedades e angústias de seus habitantes, nós!

Passamos por uma fase FOMO (sigla inglesa para “medo de perder alguma coisa importante”, em tradução livre) e agora entramos na fase FOBO (“medo de ter sempre uma melhor opção” do que aquela que escolhemos). Até aí ok. Agora, querer eliminar o relacionamento com os clientes sob o pretexto de que já estaríamos em um estágio chamado JOMO (“alegria por estarmos perdendo algo”), isso está mais difícil de aceitar. Estou certo de que uma porta automática pode ser útil e bacana em algumas circunstâncias. No entanto, quando temos um problema a ser resolvido, qualquer um de nós esperaria que outro ser humano nos abrisse a porta.

Claro, podem dizer que minha visão é “old school”, coisa de quem não sabe interpretar os novos tempos. Ou, ainda, de alguém que sempre foi fascinado por pessoas. Mesmo assim, nas startups que mentoro ou nas quais invisto, sigo recomendando que sempre haja alguém, preferencialmente alguém que goste de gente, para atender pessoalmente aos clientes e críticos. Nas startups, ouvir as pessoas tem dado bons resultados. Ajuda os empreendedores a aprender rápido e com eficácia – por mais complicados que sejam os humanos.

Para terminar, é paradoxal ouvir empresas que falam cada vez mais em diversidade e inclusão, mas querem eliminar o ser humano da cena. Vê-las defender nobres propósitos, mas isolar os cidadãos. Custo a crer em um mundo melhor enquanto nossa comunicação se restringir a máquinas e mensagens por escrito.

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