Sob o risco de entregar a idade, poucos vão se lembrar da “Ovelha Dolly”, o primeiro animal clonado com grande projeção midiática que nasceu em 1996, há 26 anos. De lá para cá, a tecnologia se aprimorou tanto que a clonagem de animais de estimação se tornou um negócio, e os últimos a tirarem proveito disso são os influenciadores da internet.
Segundo matéria veiculada pelo Input, diversos influenciadores — sobretudo, no Instagram — estão clonando seus pets no intuito de manterem contas viralizadas dos animais abastecidas com conteúdo fresco. Em alguns casos, eles nem mesmo esperam os pets falecerem para iniciar o processo.
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Um desses casos é o de Courtney Udvar-Hazy, dona da conta “Wander With Willow” no Instagram, que retrata Willow, uma exemplar híbrida derivada da mistura de cães e lobos. A conta inteira mostra Willow viajando para todos os tipos de lugares e paisagens, colocando ela como protagonista do perfil.
Ou melhor, “colocava”: em 2018, uma tragédia ocorreu, com Willow escapando de sua coleira e sendo atropelada por um carro. Segundo Udvar-Hazy, a cachorra acabou morrendo em seus braços, a caminho do veterinário.
Entretanto, a conta segue ativa – a postagem mais recente foi da última terça-feira (18), como se nada tivesse acontecido, salvo por um detalhe: quem aparece nas fotos não é Willow, mas sim Phoenix, um clone do animal falecido, que nasceu por meio dos serviços prestados pela empresa ViaGen, do Texas, especializada na clonagem de pets.
A postagem incorporada acima mostra Phoenix, enquanto a que vem logo abaixo tem Willow junto de sua criadora: iguais, porém diferentes.
Até aí, seria normal pensar que Udvar-Hazy tivesse colocado o animal no intuito de manter uma memória mais vívida dele — uma ideia de “Willow segue vivendo por meio de Phoenix”, se você preferir — e lidar melhor com o luto de perder um ente querido. Mas a influenciadora também clonou cinco outros animais — presenteados a amigos dela quando filhotes. Ocasionalmente, a conta — hoje com 137 mil seguidores — publica fotos e vídeos de reuniões dos pets.
Isso parece um caso específico, mas na verdade, a clonagem de pets é mais comum do que aparenta: em 2019, a equipe que cuida da conta do cão “Tinkerbell” revelou que o material genético do animal havia sido armazenado para clonagem no futuro (o post, aliás, foi sinalizado como “parceria paga” com a ViaGen).
Mais além, a conta “ipartywithbrucewayne”, do chihuahua “petfluencer” Bruce, realizou a clonagem de outros quatro pets — e Bruce ainda nem morreu: em várias postagens, os cinco animais — quatro clones mais o original — aparecem juntos. Finalmente, diversas contas explicitamente citam em suas arrobas que o animal em questão se trata de um clone, com exemplos como “baxter_the_clone” e “clash_of_the_clones”.
Com isso, criou-se um debate ético sobre preservar a memória de um animal falecido versus manter a sua continuidade simplesmente por causa de uma conta viralizada nas redes sociais. Em resumo, ninguém se mostra contra a clonagem em si, mas sim o motivo pelo qual ela acontece.
“Uma pessoa pode clonar seu pet e substituir o original. O mundo nem precisa saber”, disse ao Input a gerente de serviços da ViaGen, Melain Rodriguez (ela quem assinou a autorização de clonagem de todos os animais citados até aqui). “Ainda mais se o clone tiver a aparência exata [do original] e eles [os tutores] continuarem com o mesmo pet”.
Segundo a gerente, o preço para se clonar um animal de estimação começa em US$ 35 mil (R$ 192,05 mil), podendo chegar até US$ 50 mil (R$ 274,36 mil), e a “tecnicalidade” da coisa é bem complicada: segundo Rodriguez, o processo começa de forma bem parecida com a fertilização in vitro.
“Os óvulos e embriões são criados em placas de petri, e depois são transferidos para uma ‘mãe de aluguel’”, contou a executiva, adicionando que “na maioria das vezes”, os clientes da ViaGen aceitam os custos altos devido à alta carga emocional envolvida.
Convenhamos, perder um pet é o mesmo que perder alguém da família. Os sentimentos desenvolvidos por quem os cria são igualmente intensos e, na hora da despedida, o sofrimento e luto são imensos. “Se você tinha um pet maravilhoso, que você amou muito, é difícil abrir mão dele. Muitos de nossos clientes vieram dessa situação”.
Udvar-Hazy é um exemplo disso, e outro é Kelly Anderson, uma adestradora de cães que vive no Texas. Ela é a dona da conta “adogandacat”, protagonizada pelo cão Ghos e pela gata Chai, cuja morte veio em 2017, dando lugar à clone Belle. Segundo Anderson, Chai lhe serviu como suporte e combate à depressão e uma desordem alimentar séria. Quando a conta ainda contava com a felina original, Anderson amealhou 64 mil seguidores.
“Eu construí minha base do zero, trabalhando muito duro, e quando Chai morreu, as coisas começaram a ruir”, ela contou ao Input. “Eu definitivamente sumi da face da Terra”. As coisas não melhoraram nem mesmo quando Anderson deu início ao processo de clonagem. Ela diz que a pior parte de tudo foi a espera: “foram mais ou menos quatro anos para que eles [ViaGen] clonassem Chai — esse período com certeza me afetou muito”.
A pedido da empresa, Anderson não contou quantas fertilizações in vitro foram necessárias para criar Belle, a gata clonada a partir do material genético de Chai. A nova felina nasceu em 2021. Anderson, no entanto, disse que a espera teve um impacto negativo na conta do Instagram: “eu perdi muitos seguidores e muito engajamento. Estou, devagarinho, reconquistando tudo com a Belle”.
Udvar-Hazy foi mais feliz nesse aspecto: apenas seis meses separam a morte de Willow e a clonagem da qual nasceu Phoenix e os outros pets. Entretanto, ela teve que lidar com outros problemas – os comentários feitos no post que anuncia a origem do novo animal — houve quem chamasse Phoenix de “cachorro zumbi”, outros julgaram a tutora por, segundo eles, “não permitir” que o animal partisse “apenas para continuar com uma conta popular” na rede social.
“Existem pessoas muito rudes, muito más, que nos julgam muito, dentro da comunidade dos cães-lobo”, ela desabafou.
Alguns dos críticos, porém, posicionam questionamentos interessantes: nos EUA, onde os donos de todas as contas citadas vivem, há 6,3 milhões de animais entrando em abrigos por motivo de abandono por ano, que poderiam encontrar estabilidade, segurança e um lar em qualquer um dos casos citados ao longo do texto, por exemplo. No Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), esse número é de 30 milhões — 10 milhões de gatos, 20 milhões de cães.
Apesar de tudo, a ViaGen viu nisso uma oportunidade que — goste você ou não — se provou um sucesso comercial. A empresa não informou quantos “petfluencers” clonados ela já produziu (citando “razões de segurança e privacidade”), mas ela estima que outros perfis populares no Instagram podem — se já não o fizeram — procurar seus serviços no futuro.
“Se alguém ganha a vida pelo trabalho do seu pet e, de repente, seu pet acaba partindo, o que essa pessoa faria”, disse Rodriguez, que afirma que, durante participações da ViaGen em conferências e palestras, assegurou o interesse de algumas pessoas. “Eles todos ficaram impressionados”.
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