Às vezes, enquanto vasculham o céu procurando por cometas e asteroides, os astrônomos se deparam com objetos artificiais no espaço. E não estamos falando de naves alienígenas, e sim de artefatos produzidos pelo homem, como satélites, foguetes e outros objetos utilizados em nossas missões espaciais.

Alguns deles estão “perdidos” há muitos anos, como é o caso de um foguete chinês encontrado esta semana. Seria um procedimento bem corriqueiro: compilar as observações, identificar o objeto, sua órbita e compartilhar os dados com os demais observatórios. Só que, segundo os cálculos feitos pelos astrônomos, este foguete tem um destino diferente: ele vai atingir a Lua.

O foguete em questão é o terceiro estágio de um foguete chinês, o Longa Marcha 3C que lançou a missão Chang’e 5-T1 da China em outubro de 2014. Após cumprir sua missão, o foguete foi abandonado no espaço e permaneceu em órbita do Sol sem poder ser observado. Originalmente, acreditava-se que o objeto era o segundo estágio de um foguete Falcon 9, da SpaceX, que lançou o satélite DSCOVR para a Nasa.

Até que, no início de 2022, ele foi encontrado pelas câmeras de um observatório, momentos antes de uma aproximação com a Lua em 5 de janeiro. De início, imaginou-se que se tratava de um asteroide, mas com novas observações realizadas nas noites seguintes, concluiu-se que era parte do Longa Marcha.

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Sempre que um objeto artificial é identificado durante as buscas por asteroides próximos à Terra, os dados dessas observações são enviados para o Projeto Pluto, que mantém e compartilha esses dados com outros observatórios para evitar que eles possam ser confundidos com asteroides novamente no futuro.

Na última sexta, 21 de janeiro, uma circular publicada pelo Projeto Pluto comunicou que no próximo dia 4 de março esse foguete deverá atingir a Lua. O impacto está previsto para ocorrer às 12:25:58 no Horário Universal (09:25:58 no Horário de Brasília). O impacto deve ocorrer exatamente onde aponta o “X” verde do mapa abaixo, na cratera Hertzsprung, uma enorme e antiga cratera no lado oculto da Lua com cerca de 530 km de diâmetro.

Segundo o Projeto o Pluto, que também publicou as coordenadas lunares onde o foguete deve ser “sepultado”, o impacto é certo, e a margem de erro desses cálculos é de apenas alguns segundos e alguns quilômetros.

O X verde marca o local do impacto do foguete na Lua
Imagem: Projeto Pluto

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Impacto inédito na história não será visível da Terra

Será a primeira vez que um lixo espacial atinge acidentalmente nosso satélite natural. A Lua já havia sido atingida por foguetes antes. Em 2009, durante a Missão LCROSS, a NASA atirou um foguete e uma sonda espacial contra sua superfície para tentar comprovar a existência de água por lá. E nos anos 70, 5 missões Apollo (Apollo 13, 14, 15, 16 e 17) tiveram seus terceiros estágios jogados na Lua para realização de medições sísmicas usadas para caracterização do interior lunar. 

Mas naquela ocasião, o impacto foi premeditado e monitorado pela sonda LRO em órbita da Lua. Agora, este impacto será completamente acidental, e ainda não se sabe se será possível monitorá-lo de alguma forma. 

Concepção artística representando o momento de um impacto na superfície da Lua
Imagem: NASA

Isso porque ele deve ocorrer no lado oculto da Lua, então, só não poderá ser observado aqui da Terra. Apenas as sondas orbitais LRO (Lunar Reconnaissance Orbiter), da NASA, e a Chandrayaan-2, da Índia, poderão registrar os efeitos desse impacto, mas só se estiverem sobrevoando o local no momento em que o foguete da SpaceX atingir a Lua.

O que podemos aprender com esse impacto?

De fato, podemos fazer algumas reflexões filosóficas sobre o quanto estamos poluindo nossa vizinhança cósmica e sobre a importância de desenvolvermos um descarte mais digno e seguro para nossos artefatos espaciais. Imagine se, ao invés de atingir a Lua, esse foguete atingisse um asteroide, desviando sua órbita perigosamente em direção à Terra.

Entretanto, sabendo que não existe risco algum nesse caso específico, podemos aproveitar esse impacto para estudar um pouco mais sobre nosso satélite natural. Certamente, se ele ocorresse no lado visível da Lua, ele poderia ser observado e estudado por centenas de telescópios aqui da Terra, inclusive por astrônomos amadores. 

Como não existe atmosfera na Lua (na verdade existe, mas ela é muito rarefeita), o foguete vai atingir diretamente sua superfície numa velocidade superior a 9 mil km/h, escavando e vaporizando instantaneamente alguns metros do solo lunar. Com os instrumentos certos, é possível estudar a composição química da superfície e subsuperfície da Lua. Mas para fazermos isso, seria necessário utilizar instrumentos espaciais que tenham visão para aquela área no lado oculto da Lua onde deve ocorrer o impacto.

Não existem muitas sondas capazes de fazer isso. Já citamos anteriormente a LRO e a Chandrayaan-2, mas como elas estão em órbitas lunares muito baixas, dependem de estarem passando sobre o local no momento do impacto, ou de algum ajuste em sua órbita, o que exige um gasto adicional de combustível que não sabemos se as agências americana e indiana estão dispostas a ter. 

Curiosamente, o satélite DSCOVR, cujo foguete foi cogitado como sendo o objeto em rota de colisão, é outro que tem a possibilidade de registrar o impacto com seus instrumentos de precisão. No momento previsto para o impacto, a Lua estará próxima de sua fase Nova, o que significa que seu lado oculto estará voltado para o Sol e, consequentemente, para o DSCOVR. Mas, novamente, isso dependerá de uma manobra para mudar a orientação do satélite. O custo em combustível nesse caso não seria significativo, mas a manobra desviaria o DSCOVR de sua função primordial que é a de observar a Terra. 

Trânsito da Lua (exibindo seu lado oculto) em frente à Terra registrado pelo satélite DSCOVR em julho de 2015
Imagem: NASA / EPIC

Os astrônomos estão torcendo para podermos registrar este impacto de alguma forma, e assim, aprendermos um pouco mais sobre nosso satélite natural. Mas todas essas limitações diminuem muito as possibilidades. Dessa forma, provavelmente os únicos dados que teremos desse impacto serão os cálculos do Projeto Pluto e as fotos da cratera, tiradas pelas sondas em órbita da Lua, quando passarem pelo local onde o foguete chinês atingiu a superfície.

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