O ano não começou bom para as ações das empresas de tecnologia: o índice Nasdaq-100, composto pelas 100 maiores empresas da bolsa cai quase 10%, sendo que quase a metade das ações valem menos de 50% do que valiam no começo de 2021.

Esse não é o caso da Apple: apesar de a fabricante do iPhone (e Mac, iPad, Airpods etc.) possuir um alto custo de produção, extremamente dependente de peças que chegam de todo o mundo e cuja demanda deve ser impactada pela inflação, as ações da empresa caem “apenas” 4% no ano? Com alta de 18% entre 17 de março e 1º de abril, essa subida expressiva pode ser explicada pelo fato de a Apple possivelmente estar trabalhando para, finalmente, se juntar ao time da Microsoft e Cia., estudando formas de criar um modelo de assinatura para os seus produtos. Isso significaria, caso de fato ocorra, a maior mudança no modelo de negócios da companhia desde a introdução do iPhone, há mais de uma década. Não porque haveria uma troca na plataforma de produtos, mas sim porque transformaria, drasticamente, a forma como a empresa cresce e trabalha a sua enorme base de usuários. Dentre as maiores empresas do mundo, a Apple e a Tesla são as únicas a terem como principal fonte de receita a venda dos seus produtos, ao invés do modelo de “assinatura”. Isso, claro, ocorre por um motivo óbvio: as duas empresas são as únicas das grandes techs a venderem hardware (produto físico), e não o software.

A Apple tem mais de um bilhão de usuários ao redor do mundo, considerando todos os seus dispositivos. A possibilidade de a empresa criar um ambiente no qual seja possível um cross-selling maior dos seus produtos entre os seus usuários por si só já seria uma notícia importante, mas o modelo de assinatura vai além. Devemos ver um aumento da já fiel base de usuários da Apple, uma vez que esse modelo tira do cliente a necessidade de ativamente trocar o aparelho/computador/tablet, reduzindo o número de pessoas que escolhem não ter o novo modelo. Hoje, o alto valor do hardware leva o usuário a ficar com os dispositivos da Apple por vários anos, dado que a “decisão” de comprar um novo envolve um investimento relevante (3-4 anos para os iPhones, por exemplo, conforme estimativa do Banco Credit Suisse).

Ao adotar o modelo de assinatura, a Apple seria capaz de reduzir o prazo de troca (dado que o pagamento seria recorrente), além de aumentar a previsibilidade de demanda e obter maior eficiente na produção de novos aparelhos.

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Outro aspecto que devemos considerar, esse puramente econômico, é que a Apple passará, ao adotar o modelo por assinatura, a ter maior controle dos próprios custos: a empresa de pesquisa IDC estima que menos de 25% dos produtos da Apple sejam vendidos diretamente pela empresa (seja através do site, seja através de suas lojas). Um modelo de assinatura deve aumentar esse número (especialmente se a assinatura só puder ser feita no site da Apple), o que deve aumentar ainda mais a margem da empresa, reduzindo os rebates pagos aos parceiros da empresa (cerca de 7%, segundo estimativas do Morgan Stanley). Por fim, o modelo de assinatura certamente impulsionaria a adoção do iCloud pelos seus usuários, uma vez que a troca de informações entre diferentes aparelhos seria feita pelo sistema de nuvem da empresa. Nesse último ponto, novamente as margens devem ser impactadas positivamente, dado que o iCloud, por ser um software, possui margens superiores aos dispositivos (hardware).

Existe, claro, um desafio muito maior em vender um serviço de assinatura de hardware do que software, tanto pelo apego que as pessoas dão aos seus dispositivos (imagino que nenhum leitor tenha uma ligação emocional com uma versão específica do Microsoft Excel, por exemplo com exceção, talvez, do Excel 97) quanto pelo alto ticket envolvido; quando se fala de produtos destinados ao grande público, historicamente o hardware costuma custar muito mais caro que o software. A transição, caso de fato ocorra, também não deve ser rápida: se usarmos como exemplo a Microsoft (cujo ticket médio por produto é muito menor, vale destacar), foi preciso quase seis anos de esforços antes que a venda de produtos por assinatura superasse a venda do software “one-time”. Os resultados, entretanto, ficaram claros já a partir do segundo ano: um aumento relevante nas margens e uma redução grande na pirataria dos seus produtos (a situação havia chegado a tal ponto que quase 33% dos Windows XP no mundo eram copias ilegais).

Essa não é a única novidade da empresa nesse ano: durante a reunião com investidores, para reportar o resultado último trimestre de 2021, a Apple confirmou algo que já vinha sendo especulado há bastante tempo. A empresa está trabalhando para entrar no mercado de adquirência, transformando os iPhones e iPads em máquinas capazes de processar pagamentos. Esse movimento, caso de fato seja implementando, faz bastante sentido do ponto de vista mercadológico: é possível que a empresa esteja planejando usar a sua já relevante base instalada para entrar no mercado de fintechs, fazendo apenas um mínimo esforço. Teoricamente, o movimento seria extremamente negativo para empresas como Stone (cuja ação já está bastante depreciada) e Block (antiga Square). Resta saber, entretanto, se a Apple estaria disposta a gastar “energia” para invadir um outro mercado, ou se optará por concentrar esforços em aumentar a relevância no mercado global de telefones (onde tem 27% do mercado, e disputa com a Samsung a liderança).

Natan Epstein é sócio da Catarina Capital

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