O buraco negro supermassivo Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea, será estudado em conjunto pelos telescópios James Webb e Event Horizon – respectivamente, projetos astronômicos majoritários das agências espaciais norte-americana (NASA) e europeia (ESA).

O James Webb (JWT) foi lançado em dezembro de 2021 e está nos preparativos finais para começar a observar o universo a partir do Segundo Ponto de Lagrange (L2), a 1,5 milhão de quilômetros (km) da Terra. Já o Event Horizon (EHT) começou seus trabalhos em 2015 e tornou-se conhecido em abril de 2019, quando publicou a primeira foto de um buraco negro (e repetiu o feito em maio de 2022, quando tirou a primeira foto de Sagittarius A*).

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Uma comparação entre os buracos negros supermassivos M87* e Sagittarius A* - este último, no centro da nossa Via Láctea: ambas as imagens foram feitas pelo Event Horizon Telescope
Uma comparação entre os buracos negros supermassivos M87* e Sagittarius A* – este último, no centro da nossa Via Láctea: ambas as imagens foram feitas pelo Event Horizon Telescope (Imagem: Event Horizon Telescope/Reprodução)

A colaboração entre os dois telescópios veio por uma deliciosa coincidência: Farhad Yusef-Zadeh, um astrônomo da Universidade de Illinois, foi um dos analistas primários dos dados do EHT sobre Sagittarius A*. E agora, ele próprio conseguiu permissão para usar o JWT por um tempo considerável quando este começar as suas observações.

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Segundo Yusef-Zadeh, o Sagittarius A* não é um buraco negro fácil de se analisar: além das costumeiras dificuldades em estudar um objeto do tipo (ser impossível de se enxergar diretamente, por exemplo, devido à ausência de luz), ele conta com explosões rotineiras saindo de seu horizonte de eventos (o “lugar” na borda de um buraco negro de onde nem mesmo a luz consegue escapar) entre quatro e cinco vezes por dia, todas ejetando partículas quase na velocidade da luz.

“Essas explosões basicamente se acendem do nada”, disse o especialista. “É como um fogo de artifício, essencialmente, e dura cerca de meia hora. Às vezes, elas se juntam e você tem vários fogos de artifício, simultaneamente ou um atrás do outro”.

As mecânicas por trás disso, porém, ainda são um mistério. Yusef-Zadeh afirma que nós não sabemos como essas explosões são produzidas, argumentando que, para elas chegarem quase na velocidade da luz (cerca de 300 mil quilômetros por segundo), algo deve tê-las acelerado a este ponto.

Explosões desse tipo são visíveis primeiramente dentro do espectro infravermelho, mas depois elas migram para o que cientistas chamam de “radiação submilimétrica”. O EHT consegue capturar justamente essa frequência, conseguindo “ver” não apenas o sinal da explosão, mas do buraco negro antes dela.

“Essa é a pior coisa que pode acontecer quando se tenta criar a imagem de um buraco negro, pois você não quer observar uma fonte variável [de sinais]”, explicou Yusef-Zadeh. “Você tem que remover o componente variável para conseguir, de fato, construir uma imagem própria da fonte”.

É aí que entra o James Webb, que tem a capacidade de coletar dados de dois tipos diferentes de luz infravermelha: o espectro infravermelho próximo e o espectro infravermelho mediano.

“Ter a habilidade de observar simultaneamente os eventos explosivos nos dois espectros, até onde sei, é algo inédito”, disse o astrônomo. “A observação contínua de ambas as ondas deve permitir que cientistas façam a distinção entre Sagittarius A* e suas explosões. É como ter dois telescópios apontados para o mesmo lugar”.

Ainda assim, a colaboração entre o James Webb e o Event Horizon não traz garantias: para todos os efeitos, o calendário apertado de Yusef-Zadeh lhe permitirá fazer as observações em abril de 2023, quando o período de análise será mais promissor para o EHT. Para todos os efeitos, o Sagittarius A* pode não ejetar nenhuma explosão nesse período.

O cientista, no entanto, está confiante que tudo dará certo: “eu acredito que dois dias de observação [em abril de 2023] serão suficientes, e se isso não der certo, a gente pode voltar no ano seguinte. Não é como se fosse uma chance única. Algumas pessoas, inclusive, podem até preferir que não haja nenhuma explosão — isso significa que a imagem do buraco negro será muito boa, já que as explosões não vão interferir com o trabalho do EHT”.

Ainda que tenha que lidar com todas essas variáveis, Yusef-Zadeh já considera a premissa um sucesso, antecipando que ele vai aceitar “qualquer observação que puder fazer”: “[O Sagittarius A*] é um buraco negro. Ele faz o que ele bem entender”.

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