Uma misteriosa criatura microscópica parecida com um Minion irritado foi apontada durante muito tempo como os primeiros ancestrais dos seres humanos. No entanto, um estudo publicado nesta quarta-feira (17) na revista Nature revelou que o microrganismo, que não tinha ânus, faz parte de uma árvore filogenética diferente da nossa, para alívio dos cientistas, que finalmente descobriram a verdadeira conexão evolutiva daquela espécie.

Saccorhytus era um ser microscópico de boca espinhosa, assim como seu corpo, e que não tinha ânus. Imagem: Philip Donoghue et al

Chamado Saccorhytus, o minúsculo ser era dotado de uma boca grande cercada por espinhos e buracos que foram interpretados como poros para brânquias – uma característica primitiva do grupo dos Deuterostômios, do qual nossos ancestrais profundos surgiram.

Uma extensa análise de fósseis de 500 milhões de anos da China, porém, mostrou que os buracos ao redor da boca são bases de espinhos que se romperam durante a preservação dos fósseis, trazendo novas informações reveladoras sobre a estranha criatura.

“Alguns dos fósseis estão tão perfeitamente preservados que parecem quase vivos”, diz Yunhuan Liu, professor de Paleobiologia na Universidade de Chang’an, na China, em comunicado. “Saccorhytus era uma besta curiosa, com boca, mas sem ânus, e anéis de espinhos complexos ao redor de sua cavidade bucal”.

publicidade
Modelo digital 3D do Saccorhytus sob diferentes perspectivas, criado por cientistas que descobriram sua verdadeira identidade. Imagem: Philip Donoghue et al

“Fósseis podem ser bastante difíceis de interpretar, e Saccorhytus não é exceção. Tivemos que usar um síncrotron, um tipo de acelerador de partículas, como base para nossa análise dos fósseis”, explicou a pesquisadora Emily Carlisle, da Escola de Ciências da Terra da Universidade de Bristol, na Inglaterra. 

Segundo ela, o síncrotron fornece raios-X muito intensos que podem ser usados para tirar imagens detalhadas dos fósseis. “Pegamos centenas de imagens de raios-X em ângulos ligeiramente diferentes e usamos um supercomputador para criar um modelo digital 3D dos fósseis, o que revela as pequenas características de suas estruturas internas e externas”.

Os modelos digitais mostraram que os poros ao redor da boca foram fechados por outra camada corporal que se estende, criando os espinhos que a contornam. “Acreditamos que isso teria ajudado Saccorhytus a capturar e comer suas presas”, sugere Huaqiao Zhang, do Instituto de Geologia e Paleontologia de Nanjing, coautor do estudo.

Os pesquisadores acreditam que Saccorhytus é um Ecdysozoa, grupo que contém artrópodes e nematoides. “Consideramos muitos grupos alternativos aos quais Saccorhytus pode estar relacionado, incluindo corais, anêmonas e águas-vivas que também têm boca, mas não têm ânus”, disse o professor Philip Donoghue, da Escola de Ciências da Terra da Universidade de Bristol, que coliderou o estudo. 

“Para resolver o problema, nossa análise computacional comparou a anatomia de Saccorhytus com todos os outros grupos vivos de animais, concluindo uma relação com os artrópodes e seus parentes, o grupo ao qual insetos, caranguejos e lombrigas pertencem”, explicou Donoghue.

Leia mais:

Reclassificação da criatura sem ânus pode mudar o que se sabe sobre a evolução do novo grupo

A falta de ânus de Saccorhytus é uma característica intrigante desse microrganismo antigo. Como o órgão surgiu – e posteriormente desapareceu – contribui para a compreensão de como os corpos animais evoluíram. 

E mover Saccorhytus do grupo dos Deuterostômios para o dos Ecdysozoas altera os rumos das pesquisas. Não se trata mais de entender como o ânus teria surgido com a evolução da espécie, mas, sim, como ele desapareceu.

“Este é um resultado realmente inesperado porque o grupo artrópode tem um intestino, estendendo-se da boca ao ânus. A adesão de Saccorhytus ao grupo indica que ele regrediu em termos evolutivos, dispensando o ânus que seus ancestrais teriam herdado”, diz Shuhai Xiao, da Virgina Tech, que também participou do estudo. “Ainda não sabemos a posição precisa de Saccorhytus dentro da árvore da vida, mas isso pode refletir a condição ancestral da qual todos os membros desse grupo diversificado evoluíram”.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!