A Netflix lançou recentemente a série dramática de crimes reais, “Dahmer: Um Canibal Americano”, com Evan Peters no papel de Jeffrey Dahmer, um assassino em série que matou 17 pessoas em um período de 13 anos.

Apesar de a série estar atraindo muita atenção do público, membros da família de uma das vítimas do serial killer reclamaram de mais uma mídia de entretenimento estar explorando seus traumas.

Além disso, eles afirmam que a produção não entrou em contato com a família, por mais que venda a série como se fosse do ponto de vista das vítimas, com a Netflix afirmando que a produção “dará voz” a eles.

Esta é apenas uma das controvérsias em torno da produção, afinal existe uma discussão ética ampla em relação à cada vez mais comum transformação de crimes reais, gênero que cresce muito em interesse do público, em entretenimento.

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Outro ponto é que “Dahmer: Um Canibal Americano” não é uma produção documental, portanto apenas se baseia em fatos reais. Assim, o que é real ou ficção na série fica turvo para aqueles que assistem, visto que dizer que algo é “baseado em uma história real” deixa uma larga margem para interpretação.

Por isso, trazemos um levantamento do Cincinnati.com do que de fato aconteceu na história real de Jeffrey Dahmer, e o que é mera ficção, a partir de reportagens originais do Milwaukee Journal e Milwaukee Sentinel, e do livro da repórter Anne E. Schwartz sobre o assunto (Monster: The True Story of the Jeffrey Dahmer Murders).

ATENÇÃO: Os tópicos abaixo contém spoilers de “Dahmer: Um Canibal Americano”.

Episódio 1: “Episódio Um”

Apartamento de Glenda Cleveland

Uma das maiores mudanças da série para os eventos reais diz respeito a Glenda Cleveland, vivida na série por Niecy Nash. Na série, Cleveland vive em um apartamento adjacente ao de Jeffrey Dahmer, que mora no apartamento 213 no Oxford Apartments, na 25th Street em Milwaukee.

No entanto, a Glenda Cleveland da vida real vivia no prédio ao lado. É possível que a série tenha tentado reunir duas pessoas reais em uma: Cleveland, e a vizinha de Dahmer, Pamela Bass. Afinal, foi Bass quem afirmou que Dahmer fazia sanduíches para pessoas do prédio, o que se torna objeto de uma cena tensa entre Dahmer e Cleveland na série.

Caso mencionado na TV

Mais um momento do episódio inicial que pode não ter acontecido diz respeito à primeira cena da série. Logo de cara ouvimos uma reportagem de TV, na casa de Cleveland, em que é dito: “Cinco policiais brancos são acusados de agredir um colega negro em Milwaukee, Wisconsin, que estava em uma missão secreta.”

No entanto, se este evento de fato aconteceu, não é possível encontrar registros disso, nem nos meses que antecederam a prisão de Dahmer em 1991, que acontece logo após a cena do que é dito na TV. No entanto, um incidente parecido aconteceu em Nashville, no Tennessee, em dezembro de 1992.

“O Exorcista”

Por outro lado, um fato curioso mostrado no episódio inicial de fato aconteceu. Jeffrey Dahmer mostrou o filme “O Exorcista” para Tracy Edwards (vivido por Shaun J. Brown), o homem que escapou do apartamento de Dahmer e levou a polícia para o apartamento de Dahmer, onde o serial killer foi descoberto.

Outro filme que era um dos preferidos de Dahmer, “O Retorno de Jedi”, também é mencionado na série.

Fechaduras na porta de Dahmer

O episódio acompanha a noite de 22 de julho de 1991, quando Dahmer foi capturado depois de Tracy Edwards fugir de seu apartamento e alertar a polícia. Edwards é mostrado na série mexendo nas fechaduras e tentando escapar, o que na verdade se tornou um ponto controverso na vida real.

Isto porque a história de Edwards mudou após a prisão de Dahmer, o que inclui aparições em talk shows em que ele falava sobre a porta de Dahmer ter diversas fechaduras, embora fotos da cena do crime mostrarem apenas duas fechaduras.

Outras evidências que a polícia encontra no apartamento durante o episódio, o que inclui crânios pintados e cabeças na geladeira, eram detalhes reais da cena do crime.

Episódio 2: “Não vai, por favor”

Konerak Sinthasomphone

A polícia de fato devolveu a vítima Konerak Sinthasomphone a Jeffrey Dahmer, após o assassino convencer os policiais de que o garoto de 14 anos que estava desorientado era na verdade seu amante de 19 anos que teria bebido demais.

Depois disso, os policiais, John Balcerzak e Joseph Gabrish, retornam ao carro e ligam o rádio, onde Balcerzak diz: “Entendido, logo chegaremos. Meu parceiro tem que se limpar na delegacia.” Mais tarde, os policiais relataram que o cheiro do apartamento de Dahmer se assemelhava a alguém usando o banheiro recentemente, e não algo mais sinistro.

Os dois policiais, assim como um terceiro, Rick Porubcan, foram suspensos após a descoberta dos assassinatos de Dahmer, que incluíram cinco outras mortes após a noite em que Sinthasomphone foi devolvido a seu assassino pela polícia. A dupla de oficiais foi demitida pelo chefe de polícia Philip Arreola, mas acabaram reintegrados por um juiz em 1994, seguindo com longas carreiras como policiais.

Manequim e girinos

A série mostra que Jeffrey Dahmer roubou um manequim em uma loja de departamentos. Isto de fato aconteceu, e a loja era de uma rede de Milwaukee que já não existe mais, a Boston Store.

Outro episódio que aconteceu na vida real foi uma anedota da infância de Dahmer, em que ele ficou chateado quando os girinos que deu de presente a uma professora foram repassados para um de seus colegas.

A realidade desta história tem um capítulo ainda mais sinistro do que o retratado na série, visto que Dahmer foi com raiva à casa deste amigo e matou os girinos derramando óleo de motor na jarra em que eles estavam.

O irmão de Konerak Sinthasomphone

Dahmer foi condenado em 1988 por assédio sexual de um menor, o irmão de Konerak Sinthasomphone, uma de suas vítimas. Este fato é amplamente considerado como uma coincidência terrível. Na série, ele compra cerveja para Konerak em uma loja de conveniências e não faz a conexão entre os irmãos. Na vida real, Dahmer diz ter conhecido Konerak no shopping Grand Avenue Mall.

Episódio 3: “Fazer o Dahmer”

A polícia de Ohio

Jeffrey Dahmer revelou em um depoimento que em 1978, após matar Steven Hicks, sua primeira vítima quando tinha apenas 18 anos, ele foi parado pela polícia próximo à sua cidade natal em Ohio, com sacos de lixo em seu assento traseiro que continham os restos mortais de Hicks.

Apesar de ter sido parado às 3h da manhã, Dahmer convenceu os policiais a deixarem ele ir embora, e esta interação foi retratada no episódio. Eventualmente, Dahmer armazenou o corpo, e se livrou dele dois anos depois, quando retornou do serviço militar, espalhando os restos mortais de Hicks pelo quintal da casa dos pais. O corpo só foi encontrado no final de 1991, após Dahmer ser preso.

Um corredor

O Dahmer da vida real disse ter ficado fascinado com um corredor, e que teria pensado em atacá-lo com um taco de beisebol. No entanto, aparentemente isto nunca aconteceu, e ele diz ter decidido que atacaria o homem se ele retornasse, mas que ele nunca teria retornado.

Na série, Dahmer persegue o corredor e o aborda com agressividade com o taco, mas o leva a sua casa para uma bebida, numa interação que se revelou apenas uma fantasia do assassino.

Anuário escolar

É verdade que Dahmer uma vez posou na foto do anuário da sociedade de honra de sua escola, embora não pertencesse à organização. Seu rosto estava escurecido, assim como foi retratado na série.

Episódio 4: “A caixa do bom menino”

Bolsas de sangue

Uma cena da série mostra Dahmer conseguindo um emprego no Milwaukee Blood Plasma Center e trazendo uma bolsa de sangue para casa para beber.

O que aconteceu na vida real foi um pouco diferente, segundo o relato do assassino. Dahmer disse que experimentou um frasco de sangue para ver o sabor e o fez no telhado do centro. Ele afirmou ter cuspido o sangue no telhado.

Prisão por exposição

Jeffrey Dahmer foi preso por exposição indecente na feira Wisconsin State Fair e foi expulso de uma casa de banho. Sua multa foi de US$ 50 pela primeira ofensa e ele foi acusado pelo gerente de drogar dois clientes no último incidente. O gerente mais tarde testemunhou no julgamento de Dahmer.

Ambassador Hotel

Conforme retratado na série, Steven Tuomi (a primeira vítima de Dahmer em Milwaukee) foi assassinado no Ambassador Hotel, embora Dahmer nunca tenha dado detalhes sobre aquela noite, dizendo que ele desmaiou. O acontecimento é retratado dessa maneira na série.

Dahmer nunca foi oficialmente acusado da morte de Tuomi porque nenhum resto foi recuperado, embora Dahmer tenha descrito partes do encontro.

Episódio 5: “Mãos sujas de sangue”

Ron Flowers

No livro de Schwartz, Dahmer diz que decidiu que não mataria Ron Flowers, um homem que ele levou à casa de sua avó em West Allis e drogou, porque ele era muito pesado, e o assassino não tinha certeza se conseguiria mover o corpo.

Na série, Ron Flowers (Dyllón Burnside) não é tão imponente assim, mas ele é salvo pela vigilância da avó de Jeffrey, Catherine Dahmer (Michael Learned). Não se sabe se na vida real a avó de Dahmer era tão atenta quanto na série.

Assim como na vida real, Dahmer se ofereceu para dar uma carona a Flowers depois que o carro de Flowers quebrou. Flowers lembrou-se de voltar para casa e acordar em um hospital, e ele acreditava que havia sido agredido (a série não inclui isso). A polícia questionou Dahmer depois, mas achou sua história credível.

Outros casos na TV

Assim como o que aconteceu no episódio 1, existem outros casos mencionados na TV durante a série que são interessantes. Um deles menciona um incêndio em uma casa em Stafford, uma comunidade que não existe. Outro cita a fábrica de Allis-Chalmers encerrando suas operações de tratores até o final do ano. Só que a Allis-Chalmers fechou em 1985 antes dos eventos descritos.

A casa de correção

Dahmer foi sentenciado a passar um ano em uma Casa de Correção. Só que este local em Milwaukee, que tem a aparência de uma prisão na série, é mais parecido com um dormitório na vida real, de acordo com Schwartz.

Juiz William Gardner

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Brayden Maniago como Somsack Sinthasomphone e Kieran Tamondong como Konerak Sinthasomphone no episódio 5 de “Dahmer: Um Canibal Americano”. Imagem: Cortesia da Netflix © 2022

O juiz William Gardner recebeu muito mais atenção na vida real do que na série. Ele foi bastante criticado pela clemência na condenação de Dahmer pela agressão sexual de um menor, embora ele não acabe enfatizado na série.

Não está claro se ele realmente teve dificuldades para entender o inglês de Sounthone Sinthasomophone e pediu que ele recrutasse um de seus filhos como tradutor (como foi o caso na série). O livro de Schwartz indica que a família nem estava presente na audiência de sentença porque ninguém os informou que estava acontecendo.

Donna Chester, uma agente de liberdade condicional que tinha compromissos com Dahmer durante seu período matança e nunca notou seus assassinatos, também recebeu muitas críticas na vida real, mas não aparece na série.

Episódio 6: “Silenciado”

Tony Hughes

A série de propôs ostensivamente a contar uma história sobre as vítimas e aqueles que involuntariamente permitiram que os crimes de Dahmer continuassem, mas este é o primeiro episódio que passa um tempo prolongado com outros personagens além de Dahmer.

Tony Hughes conheceu Dahmer em 1989. O homem surdo e Dahmer são mostrados neste episódio tendo um longo relacionamento, pelo menos pelos padrões da série.

O Dahmer da vida real disse em sua confissão que nunca conheceu Hughes antes da noite em que foi assassinado, mas uma amiga de Hughes disse à polícia que Dahmer e Hughes eram amigos há mais de um ano, e Dahmer teria ido à casa dela seis vezes, entre outubro de 1989 e dezembro de 1990 a procura de Hughes. Outro amigo de Hughes verificou a história de que a vítima conhecia Dahmer há dois anos.

Ligações para as famílias

É verdade que Jeffrey Dahmer ligava para as famílias de suas vítimas. Assim como retratado na série, ele dizia de forma ameaçadora a eles para pararem de procurar seus entes queridos.

Episódio 7: “Cassandra”

A insistência de Cleveland

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Niecy Nash como Glenda Cleveland no episódio 7 de “Dahmer: Um Canibal Americano”. Imagem: Cortesia da Netflix © 2022

É real que Glenda Cleveland, que testemunhou o encontro de maio entre Dahmer, Sinthasomphone e a polícia, ligou repetidamente para a polícia, acreditando que Sinthasomphone era uma criança mais nova e não um jovem de 19 anos. Ela ligou novamente depois de ver uma história no jornal sobre Sinthasomphone desaparecendo, reconhecendo-o daquela noite.

A polícia não fez nada, apesar das suspeitas de Cleveland. Ela chegou a até mesmo ligar para o FBI, que decidiu que não tinha jurisdição para investigar o caso. Sete meses depois, Dahmer foi preso. Na série, Cleveland diz que estava ligando por “meses e meses”.

Reverendo Jesse Jackson

Eventualmente, Glenda Cleveland foi aclamada pela cidade como um exemplo de cidadã. O reverendo Jesse Jackson, famoso ativista cristão, foi até Milwaukee para destacar a desigualdade de tratamento da polícia entre cidadãos negros e brancos. Ali, Cleveland o conheceu, assim como na série.

O cheiro do apartamento

Inquilinos do Oxford Apartments, onde Jeffrey Dahmer cometia seus crimes, reclamaram mesmo do mau cheiro, e disseram ter ouvido gritos. O síndico do prédio teria falado com Dahmer pelo menos três vezes, mas não está claro se ele ameaçou o assassino de despejo como aconteceu na série.

O síndico até mesmo teria ajudado Dahmer a limpar seu congelador uma vez, em uma tentativa de reduzir o mau cheiro. Por outro lado, como já foi mencionado acima, não há qualquer indicativo de que Cleveland tenha conhecido Dahmer, então a conversa entre eles em que Dahmer insiste que ela coma um sanduíche que ele deu a ela provavelmente nunca aconteceu.

Episódio 8: “Lionel”

Testemunhos das famílias

A cena mais eficaz da série ocorre no final deste episódio, quando os membros da família podem falar no tribunal como os assassinatos de Dahmer os afetaram. Os discursos são quase palavra por palavra de transcrições reais do que foi dito no tribunal da vida real.

Isso inclui uma demonstração de raiva de Rita Isbell (DaShawn “Dash” Barnes), a irmã da vítima Errol Lindsey. Isbell realmente tentou pular sobre a mesa para atacar Dahmer no julgamento.

O pai de Dahmer

Grande parte da série se concentra na complicada relação entre Lionel Dahmer (Richard Jenkins) e seu filho. É verdade que Lionel pediu ao juiz William Gardner para não libertar Jeffrey Dahmer, acreditando que ele precisava de tratamento para o álcool e seus outros desejos, algo que Dahmer não recebeu durante sua permanência na penitenciária enquanto cumpria sua sentença por agressão sexual.

Quadrinhos

Na série, Dahmer diz ter ouvido falar de outro notório serial killer de Wisconsin, “O Carniceiro de Plainfield” Ed Gein, através de uma história em quadrinhos.

Não está claro se realmente havia uma história em quadrinhos de Ed Gein que Dahmer leu quando era mais jovem (uma graphic novel existe hoje), mas a história em quadrinhos de Jeffrey Dahmer mostrada na série era real, para horror dos membros da família, em 1992.

Episódio 9: “Bicho-papão”

Oficiais do ano

Na série, John Balcerzak e Joseph Gabrish – os dois policiais que ficaram no centro da rixa entre cidadãos e policiais pelo caso Dahmer – aparecem recebendo uma homenagem de “oficiais do ano”.

No entanto, isto nunca aconteceu. Os dois não receberam homenagens, mas tiveram seus empregos de volta em 1994, recebendo salários retroativos, e Balcerzak eventualmente se tornou presidente do sindicato de oficiais de polícia de Milwaukee.

Por outro lado, Cleveland foi formalmente honrada pelo Conselho Comum e pelo Conselho do Condado, e o prefeito John Norquist a chamou de cidadã modelo. Seu reconhecimento é retratado na série.

A prisão de Sandra Smith

Na série, Sandra Smith, a filha de Glenda Cleveland, é presa por agredir um curioso e quebrar sua câmera. Não conseguimos encontrar registros de que isso tenha acontecido e pode ser uma invenção da série. A Smith da vida real estava presente na noite em que a polícia devolveu Konerak Sinthasomphone a Dahmer.

Demolição

Os Oxford Apartments foram comprados por US$ 325.000 pelo Campus Circle Project, uma organização pública/privada afiliada à Marquette University, e demolidos em 1992. Ainda hoje, o terreno no número 924 da 25th Street está vazio, cercado por uma cerca preta.

Leia mais:

Episódio 10: “Deus do perdão, Deus da vingança”

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Furly Mac como Christopher Scarver no episódio 10 de “Dahmer: Um Canibal Americano”. Imagem: Cortesia da Netflix © 2022

O décimo episódio, que pode ser apontado como um dos mais frágeis da série, mostra os personagens, incluindo o próprio Jeffrey Dahmer, em suas tentativas de seguir em frente, com um tema de fé e perdão.

Christopher Scarver, o assassino condenado que matou Dahmer e outro preso (o assassino de Cedarburg, Jesse Anderson) na Instituição Correcional de Columbia, é retratado como alguém que busca o conselho de Deus sobre como lidar com Dahmer.

O Scarver da vida real deu testemunho dizendo que acreditava ter um milhão de anos. Ele também professou ser o filho de Deus.

Os investigadores determinaram que os funcionários da prisão não eram culpados pelo duplo assassinato. Duas sentenças de prisão perpétua foram adicionadas à sentença inicial de prisão perpétua de Scarver.

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