Muito longe de ser um polvo comum, o cefalópode conhecido como argonauta (da espécie Argonauta argo) tem certas particularidades que o tornam um ser extremamente peculiar. Para começar, depois do acasalamento, a fêmea destaca o órgão sexual do macho e o mantém dentro de si, cheio de esperma do parceiro. Então, começa a “confeccionar” algo semelhante a uma bolsa.

Para isso, ela usa as pontas de dois de seus braços de brilho azul para segregar uma fórmula mineral, estruturando-a em uma cesta fina de papel em forma de concha. A construção pode crescer até quase 30 cm de comprimento, tornando-se sua casa e de seus mais de 40 mil embriões. 

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Uma enorme concha de argonauta seguida de uma concha de nautiloide, para efeito de comparação, e outras menores de argonautas, no laboratório de Davin Setiamarga no Wakayama College,Japão. Imagem: Davin H. E. Setiamarga

A argonauta mamãe desliza para se acomodar dentro da concha, solta algumas bolhas de ar lá dentro, então usa a flutuação resultante para navegar logo abaixo do nível do mar em águas quentes ao redor do mundo.

Por muito tempo, acreditou-se que essa dinâmica seria herdada dos nautiloides, seus parentes distantes. Agora, no entanto, dados de sequenciamento genético revelam que o argonauta desenvolveu independentemente os genes responsáveis pela habilidade de fazer sua intrincada armadura de embriões, em vez de reutilizar o DNA recebido de seus ancestrais.

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“Essas descobertas acabam com alguns equívocos entre os cientistas sobre como os cefalópodes evoluíram”, disse ao jornal The New York Times Davin Setiamarga, pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia da Faculdade Wakayama, no Japão, que detalhou os resultados da pesquisa realizada por sua equipe em um artigo publicado na revista Genome Biology and Evolution.

Um espécime de Argonauta argo em um aquário de bordo. De um lado, com sua teia de braço expandida sobre a concha. Do outro, com a teia de braço retraída. Imagem: Mike Vecchione via The New York Times

Segundo o estudo, o último ancestral comum da maioria dos cefalópodes provavelmente tinha uma concha perolada, parecida com aquelas dos nautiloides, um molusco de casca que existe até hoje. 

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Ao longo de milhões de anos de evolução, no entanto, cefalópodes de corpo mole como polvos, lulas e chocos evoluíram internalizando essa concha externa e reduzindo-a enquanto se adaptavam aos seus habitats individuais. 

Como o argonauta ainda carrega uma construção estilo concha de nautiloides, tem alimentado o debate científico sobre se, e como, um animal pode perder tal estrutura durante o curso da evolução e, em seguida, recuperá-lo. 

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No novo estudo, os cientistas descobriram que os argonautas têm genes codificadores de proteínas necessários para construir o que os cientistas chamam de “conchas verdadeiras”, do tipo que você encontra em torno de uma ostra. 

Ocorre que eles utilizam genes totalmente diferentes do que os nautiloides usam para fazer essas formações. Isso, segundo os autores, significa que a caixa de ovos semelhante à casca não evoluiu da casca ancestral, mas sim, é a própria inovação evolutiva dos argonautas para um novo propósito.

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Os achados também alimentam um debate sobre se o caso do ovo de argonauta deve realmente ser chamado de concha. “Olhe para eles”, disse Setiamarga enquanto segurava as duas estruturas na frente de seu rosto durante uma chamada de vídeo, salientando a casca do argonauta. “Eles parecem iguais, claro, mas esta é muito mais frágil. Isso é como biscoitos, você sabe, é como biscoitos que você coloca um pouco de queijo no meio”.

Além da questão da concha, a nova sequência de genomas obtida pela equipe de Setiamarga podem ajudar os cientistas a entender mais sobre como os argonautas evoluíram para se tornarem pelágicos, ou seja, seres que vivem em águas abertas, e não bentônicos, como outros polvos, que preferem as profundezas.

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