Poucas coisas na vida podem ser mais emocionantes para alguém apaixonado por astronomia do que descobrir corpos celestes nunca antes identificados. E essa emoção já tomou conta da jovem Lorrane Olivlet, de 27 anos, pelo menos, 50 vezes.

Além de serem conquistas impressionantes, das quais ela tem muito orgulho, essas descobertas abriram portas importantíssimas para a carreira da engenheira biomédica mineira, natural de Belo Horizonte.

Uma delas foi participar do Habitat Marte, única estação análoga ao Planeta Vermelho de todo o Hemisfério Sul, que fica aqui no Brasil, no Rio Grande do Norte. Trata-se de um lugar que simula exatamente todas as condições marcianas, onde os visitantes podem viver experiências similares às de uma verdadeira viagem extraterrestre.

Lorrane Olivlet na estação Habitat Marte
Lorrane Olivlet na estação Habitat Marte. Créditos: Arquivo pessoal

Como se isso, por si só, já não fosse uma experiência incrível, Lorrane vai ainda mais longe. Por enquanto, na Terra mesmo. Por enquanto? Sim, já que aquela garotinha que se descobriu fascinada pelo universo aos três anos de idade e se transformou em uma grande caçadora de asteroides, pode, um dia, tornar-se astronauta e, quem sabe, conhecer não só Marte como outros encantos da imensidão do cosmos bem de perto.

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Embora ainda seja um sonho muito distante de se realizar, pode-se dizer que está cada vez um pouquinho mais próximo. 

Dentro de pouco mais de duas semanas, por exemplo, Lorrane vai participar do Space Camp (Acampamento Espacial), um minicurso intensivo na One Tranquility Base, que fica em Huntsville, no estado norte-americano do Alabama. O curso abrange diversas áreas científicas, como engenharia, astronáutica e astrofísica. 

Parte das instalações do Space Camp em Huntsville, no estado norte-americano do Alabama. Imagem: Space Camp / Divulgação

Segundo o site da organização, os participantes “experimentam o futuro das viagens espaciais e treinam para resolver anomalias tecnicamente desafiadoras, a fim de completar sua missão espacial”. Em suma, o projeto se traduz em um breve treinamento de astronautas, que inclui:

  • Capacitação no 1/6th Gravity Chair e no Multi-Axis Trainer;
  • Construção e lançamento de seu próprio modelo de foguete;
  • Exercícios de team building (preparação focada nas relações interpessoais do trabalho em equipe);
  • Testes de habilidades de engenharia, ao projetar um escudo térmico de proteção;
  • Planejamento de uma missão espacial simulada à Estação Espacial Internacional, à Lua ou a Marte;
  • Contato com histórias inspiradoras sobre pioneiros comerciais, como Elon Musk, fundador da SpaceX.

Preparação e expectativas para o treinamento de astronauta

Lorrane se diz extremamente entusiasmada para viver essa experiência. “Eles focam bastante em engenharia, principalmente. Tem a parte que é bem parecida com os treinamentos de astronautas, uma outra parte mais voltada para STEAM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática), com palestras, além de práticas que estou bem empolgada, em que vamos precisar fazer um escudo térmico e construir um minifoguete”.

“Tudo isso é muito importante para minha formação, uma vez que planejo me especializar na área de astronáutica”, explicou ela ao Olhar Digital, em uma entrevista em primeira mão sobre o curso, que tem início dia 2 de dezembro.

A divulgadora científica não contou com nenhum tipo de patrocínio ou apoio governamental para conquistar esse objetivo. Tudo só foi possível graças a uma vaquinha online, a doações de seguidores, a parcerias comerciais de divulgação nas redes sociais e à verba obtida com a venda do livro “Meu primeiro contato com o céu”, lançado em 2019, que reúne conteúdos coletados ao longo dos anos como palestrante.

“Em 2017, eu resolvi começar a juntar tudo para ter um material físico para utilizar nas palestras”, relatou a astrônoma amadora ao Olhar Digital em junho do ano passado. “O livro tem como foco fazer esse primeiro contato das pessoas com os nossos vizinhos cósmicos, do Sistema Solar. Meu objetivo foi fazer um material que pudesse abranger todas as idades e incentivar as pessoas a conhecerem sobre os vizinhos da Terra”.

Lorrane segurando seu primeiro livro (à esquerda) e o livrinho que despertou seu interesse pela Astronomia (à direita)
Lorrane segurando seu primeiro livro (à esquerda) e o livrinho que despertou seu interesse pela Astronomia (à direita). Imagem: Arquivo pessoal

Segundo Lorrane, não existem pré-requisitos em termos de condicionamento físico para participar do Space Camp. “Eles não pedem, mas estou treinando. Comecei a correr e, até o final do ano, pretendo participar de uma corrida de 5 km ou 10 km. Agora está chovendo muito em Minas, então acabou atrapalhando um pouco, mas eu considero a atividade física essencial. E treinar também o inglês”.

Esse curso será algo bem diferente de tudo o que já viveu. “Vai ser uma aventura bem diferente, porque eu nunca fui para tão longe sozinha. Eu acho muito divertido viajar, não só falando do curso, mas toda a situação é muito legal, então eu imagino que vai ser tudo maravilhoso”.

Ela promete tentar registrar tudo o que puder em todas as suas redes sociais (YouTube, TikTok, Instagram e Kwai). “Minha ideia é mostrar o dia a dia e também alguns vídeos com curiosidades. Eu ainda não sei como vai funcionar lá. Pessoas que já participaram me disseram que é corrido, que você mal tem tempo para comer, porque é muita coisa acontecendo. Mas, quando tiver tempo, eu vou tentar gravar e espero conseguir fazer um vlog legal para incentivar mais pessoas a participar e se interessar por essa área incrível”. 

De caçadora de asteroides a futura astronauta brasileira?

O Brasil tem apenas um astronauta que já esteve no espaço, o ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, que Lorrane conhece pessoalmente e das mãos de quem já recebeu uma série de honrarias. Além dele, outro brasileiro que já voou para além da Terra foi Victor Corrêa Hespanha (que, como ela, também é de Belo Horizonte), entrando para a história como o primeiro turista espacial do país.

Ao lado do ex-astronauta e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, de quem recebeu diversas honrarias por sua atividade como caçadora de asteroides. Imagem: Arquivo pessoal

Embora o curso tenha a “magia” de proporcionar aos participantes sensações semelhantes às sentidas pelos astronautas em missões espaciais, este não é o propósito principal da jovem.

Fundadora do InSpace, um grupo composto por 70 membros das áreas de STEAM, com foco em assuntos relacionados ao espaço, ela é divulgadora científica e influenciadora digital com quase um milhão de seguidores somados no Instagram, Kwai e TikTok. 

“Um dos meus maiores objetivos com esse projeto é trazer o que eu aprender lá para poder aplicar no InSpace”, disse ela. “Quanto a me tornar astronauta, eu gostaria muito. Mas, para nós, brasileiros, é tudo muito mais difícil nesta área”.

Se um dia tiver essa oportunidade, Lorrane diz que pretende transformar isso “em algo grandiosíssimo”, para incentivar mais pessoas em ciências espaciais e em ciências no geral. Nesse sentido, ela se inspira em Sally Ride, a primeira mulher norte-americana a ir ao espaço. “Eu a admiro pelo empenho e dedicação em abrir oportunidades para cada vez mais meninas em STEM”.

Outras inspirações para ela são os físicos Eduardo Neto, doutor em Astrofísica pela Universidade de Paris VII e pela Universidade Denis Diderot, e Ale Pacini, que tem dois doutorados em Física Espacial (um título do Brasil e outro da Finlândia), além de Gabe Gabrille, ex-chapeiro do McDonalds que se tornou um dos engenheiros espaciais mais conceituados da NASA. “Ele foi e é uma das maiores inspirações na minha vida, tanto na parte espacial quanto como pessoa”, diz Lorrane.

Os 50 asteroides mencionados no início da matéria – sendo um deles considerado raro – foram detectados por ela por meio do programa International Astronomical Search Collaboration (IASC, projeto da NASA que, no Brasil, acontece em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) e lhe renderam medalhas e certificados de reconhecimento.

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InSpace leva ciência ao alcance de todos

Embora Lorrane seja uma notável ativista pela presença feminina no setor espacial, o grupo fundado por ela é bastante diversificado, com pessoas de diferentes gêneros e idades de nove a 55 anos. 

Algo que orgulha muito a jovem divulgadora científica é que o grupo tem representantes em todos os estados do Brasil, além de um membro em Moçambique, no continente africano.

O primeiro encontro anual do grupo InSpace em 2022 foi no evento Campus Party, em São Paulo. Imagem: InSpace / Instagram

“Vamos abrir inscrições para novos membros no fim deste ano ou no início do ano que vem. Estou com expectativa de acrescentar entre 10 e 20 pessoas, o que é muito, considerando que sou eu quem coordeno sozinha, sem patrocínio nem nada nesse sentido”. 

As atividades do grupo também são bem variadas. “Nós participamos de Olimpíadas, como por exemplo, a Olimpíada Brasileira de Satélites. A gente participa de todas as fases juntos. É um trabalho contínuo e no qual a gente gasta muitas e muitas horas, mas que tem rendido excelentes frutos”.

Ela acredita que o apoio financeiro de possíveis patrocinadores ajudaria não apenas o grupo a crescer ainda mais, como também a levar o nome do nosso país cada vez mais longe.

“É um grupo no qual nós participamos de muitas atividades e que acaba sempre se destacando em tudo. Por exemplo, na caça aos asteroides, a grande maioria do pessoal que apareceu na mídia é do InSpace. Na Olimpíada Brasileira de Satélites, nós ficamos em 1º, 2º e 3º lugar”, afirma. “E nós somos um grupo independente, enquanto a maior parte das outras pessoas que participaram estavam ligadas a instituições, escolas e universidades. E, ainda assim, nós conseguimos essa quantidade de medalhas em duas categorias”. 

A atividade mais recente do grupo foi no último fim de semana, na edição de 2022 do Campus Party Brasil, versão nacional da Campus Party, considerada a maior experiência tecnológica do mundo, que acontece em torno de um festival de inovação, criatividade, ciências e empreendedorismo. “Estamos sempre dando palestras em escolas e universidades, como agora, que nós participamos da Campus Party, com cinco membros palestrando”. 

Por essa razão, Lorrane aposta que as empresas teriam muitas vantagens em patrocinar o projeto. “Estamos em tudo quanto é tipo de mídia, porque o trabalho é muito bem feito. E o feedback é muito legal. Então, seria muito bacana, até porque precisamos ir para alguns lugares palestrar ou receber alguma premiação e, às vezes, não temos nem como ir”.

Lorrane destaca o papel social e democrático do grupo. “Eu vejo que a ciência tem espaço para todo mundo. Eu sempre tento destacar isso: ciência para todo mundo, sem distinção. Não tem que ter impedimento, a ciência tem que ser para todos”.

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