A COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) terminou no dia 20 de novembro. Conhecida como “COP da Implementação”, dada a expectativa de que grande parte das ações concretas para frear o avanço da crise climática fosse aprovada, o evento, que aconteceu em Sharm El-Sheikh, no Egito, acabou por frustrar muitas expectativas.

Uma vitória e duas derrotas resumem o encerramento de uma das mais complexas conferências climáticas da ONU. A criação de um fundo para indenizar os países mais vulneráveis às mudanças climáticas foi uma conquista histórica, pois, desde a Eco92, há trinta anos, o grupo de nações em desenvolvimento apresentou a pauta, sem sucesso. Há ainda um longo caminho para garantir a sua operacionalização, é verdade, mas é inegável celebrar que, pela primeira vez em uma COP, o chamado mecanismo de perdas e danos não só conseguiu entrar na agenda oficial, como integrou oficialmente o texto final aprovado.

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Por outro lado, a declaração desapontou ao não mencionar petróleo e gás como combustíveis fósseis que precisam ser eliminados, além de também não ressaltar a urgência de limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até o fim do século.

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Apesar da ambivalência entre avanço e estagnação, um destaque na COP27 que merece reconhecimento foi o protagonismo de diversas lideranças femininas durante a conferência, cuja programação parece ter incorporado com muito sucesso a transversalidade entre os debates de gênero e clima.

Foi o caso do painel “Mulheres na ação climática” no Brazil Climate Action Hub –espaço da sociedade brasileira na COP27, no Egito –, que reuniu lideranças femininas à frente de movimentos jovens, comunidades tradicionais, empresas e sociedade civil para compartilhar experiências de sucesso no enfrentamento às mudanças climáticas e debater os desafios e estratégias para manter a floresta em pé e contribuir com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C até o fim do século.

Ainda que bem representadas pelas organizações da sociedade civil, a baixa participação feminina nas delegações oficiais das Conferências do Clima é um motivo de grande preocupação. Segundo uma análise da BBC, as mulheres foram menos de 34% das delegações dos países que estão na conferência e, na cúpula do ano passado, segundo dados das Nações Unidas, representavam 37% das delegações dos países e 26% das lideranças das delegações.

Essa disparidade na representação de gênero é altamente grave, especialmente quando consideradas as inúmeras evidências de que as mulheres são as que mais sofrem com as consequências da mudança no clima do planeta. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 72% do total de pessoas que vivem em extrema pobreza e que estão mais vulneráveis a desastres ambientais são mulheres. Já um estudo da Mary Robinson Foundation Climate Justice mostra que mulheres e crianças são 14 vezes mais vulneráveis aos desastres naturais que os homens. Já é passada a hora de reconhecer que as mulheres precisam liderar ou, no mínimo, estar envolvidas nos debates sobre o tema.

Isso ficou evidente no Dia ‘Mulheres e Água’ na COP27, evento que reuniu lideranças do mundo todo para discutir a importância de ter mulheres como tomadoras de decisão na agenda climática. No evento, palestrantes apresentaram como as crescentes perdas e danos causados pelos impactos climáticos estão tendo consequências devastadoras para mulheres e meninas, incluindo o aumento do risco de violência sexual e doméstica, como visto em um novo relatório da ActionAid.

Segundo a ActionAid, mulheres e meninas estão enfrentando riscos cada vez maiores e específicos a elas à medida que a crise climática piora.

As alterações climáticas afetam mulheres e meninas de forma mais enfática porque intensificam as consequências já existentes da desigualdade de gênero. Em muitos contextos, desastres relacionados ao clima, como inundações ou secas, levam a inseguranças nos meios de subsistência das famílias, que acabam retirando as meninas da escola e, muitas vezes, as transferindo para o trabalho doméstico. Elas podem ser casadas em idade precoce por pais que não têm mais condições de alimentá-las, privando-as da escolaridade e expondo-as à violência de gênero. Quando as mudanças climáticas deixam as famílias famintas, as mulheres relatam também maiores incidências de violência doméstica.

A maioria dos trabalhadores agrícolas também são mulheres, e isto significa que a subsistência das mulheres e a segurança alimentar são particularmente vulneráveis aos efeitos dos padrões erráticos de chuvas, pragas, secas, enchentes e ciclones desencadeados pelas mudanças climáticas. Quando há uma seca severa, como ocorre atualmente na África Oriental, sua renda pode ser drasticamente reduzida.

A ONU estimou que 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres.

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Os resultados da COP27 foram ambivalentes na medida em que nos trazem motivos para celebrar, mas também grandes preocupações em relação às reais condições para o enfrentamento da mudança climática.

Principalmente, a Conferência do Clima expôs a cruel e estreita relação entre a agenda climática e a desigualdade de gênero, expondo o quanto as mulheres, especialmente as mais vulneráveis, são as mais afetadas pelos eventos extremos, bem como pelas ações de mitigação e adaptação necessárias para enfrentá-los.

Sendo assim, é fundamental reconhecer que as ações fundamentais ao combate à mudança climática devem estar sempre preocupadas com a perspectiva de gênero. Não há mais dúvidas: a mudança que precisamos só virá com a potência transformadora trazida pelas mulheres.

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