Compartilhamento de contatos foi modificado no novo iOS (Imagem: QubixStudio/Shutterstock)
O iOS 18 já está aí – e com bugs. Mas o tema desta reportagem é uma alteração sutil que a Apple realizou em seu novo sistema operacional, notado apenas por desenvolvedores de aplicativos.
Trata-se de um recurso que permite ao usuário do iPhone compartilhar, com vários apps, suas listas de contatos. Segundo desenvolvedores ouvidos pelo The New York Times, a maçã alterou a função e, dessa forma, eles temem que novos aplicativos não decolem na App Store.
Isso porque a “sincronização de contatos”, como é chamado, foi fundamental para fazer com que apps sociais e de mensagens, como Instagram, WhatsApp, Snapchat e outros, crescessem rapidamente e chegassem onde estão.
Afinal, com o recurso, conseguiram conectar milhões de usuários do iOS a conhecidos e sugerindo outros perfis. Tal impulso inicial ajudou bastante nesse crescimento forte dessas redes e apps, fazendo-os chegarem ao topo da loja de aplicativos da empresa da maçã.
A mudança, recém-descoberta pelos desenvolvedores, é considerada “o fim do mundo” e pode tornar novas aplicações sociais que se baseiam nos amigos dos usuários em amigos “mortos na chegada”, opinou Nikita Bier, fundador e consultor de uma startup que criou e vendeu diversos apps virais voltados para jovens.
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Por bastante tempo, a forma como esse compartilhamento de dados funcionava no iOS se baseava no poder que um app tinha de chamar uma mensagem, denominada “comando de acesso a dados”, pedindo, dessa forma, acesso aos contatos do usuário.
Uma vez que o usuário aceitasse isso, o desenvolvedor da aplicação recebia a lista de todos os contatos que a pessoa tinha em sua conta Apple/iPhone, bem como números de telefone e e-mails cadastrados.
A partir daí, eles poderiam utilizar esses dados para criar uma espécie de gráfico social do usuário, ou, ainda, sugerir outros perfis que a pessoa poderia interagir.
Mas as coisas mudaram no iOS 18. Os usuários que aceitam compartilhar seus contatos recebem outra mensagem, que solicita que a pessoa selecione quais desses contatos serão compartilhados. Dessa forma, apenas alguns contatos podem ser compartilhados, ao invés de todos de uma vez.
A empresa explicou que as alterações ocorreram, pois os usuários não podem ser forçados a fazer uma escolha de compartilhar todos, ou não compartilhar nenhum.
Afinal, muitos podem ter, em suas listas de contatos, pessoas que não querem compartilhar com os apps, como um(a) ex, um médico, uma pessoa conhecida para um simples serviço, etc.
Nesse contexto, há anos, a Apple permite que seus usuários deem apenas acesso parcial às fotos de sua galeria. Portanto, a mesma lógica poderia ser (e foi) implementada aos contatos.
Além disso, a maçã ressaltou que essas mudanças não prejudicam os desenvolvedores. Ao Times, a companhia informou que eles podem visualizar aumento no compartilhamento de contatos, já que há aqueles que se recusaram a compartilhá-los no passado, que, com a mudança no iOS 18, podem ter mudado de ideia ao poderem compartilhar somente os que desejarem.
Por sua vez, os desenvolvedores não creem no que a big tech alega. Um deles é Bier, que falou ao Times a respeito. Segundo ele, os dados vistos por ele de startups atendidas por sua empresa indicam queda significativa no compartilhamento de contatos após as mudanças feitas no iOS 18.
Em certos apps, o número de usuários que compartilhou dez ou menos de seus contatos aumentou até 25%. Outros desenvolvedores afirmam que seus aplicativos vivenciaram declínios semelhantes. Contudo, eles não quiseram dar entrevista ao periódico por medo de represálias.
Para as empresas desenvolvedoras de aplicações sociais, esses 25% significam muito na hora de ter sucesso ou fracassar na missão de se tornar viral e ser bem-sucedido.
Um exemplo citado pelo Times vem do Facebook, que descobriu, quando deu seus primeiros passos no longínquo 2004, que, se os usuários adicionassem ao menos sete amigos em até dez dias após criarem seu perfil na rede social, eles tinham mais probabilidade de permanecer do que usuários que não seguiram este “ritual”.
“É essencial formar densidade em um aplicativo em estágio inicial. As pessoas não esperam uma semana para que todos os seus amigos se inscrevam”, explicou Bier.
Há, ainda, desenvolvedores que acusam a Apple de não aplicar essas mudanças no iOS 18 em seus serviços e aplicativos, como o iMessage, que não pede permissão para acessar contatos, algo obrigatório para seus concorrentes, como WhatsApp, WeChat, Signal, Telegram e outros.
Na visão desses profissionais, isso é algo fundamentalmente anticompetitivo, sendo outro exemplo de autopreferência aos quais os reguladores antitruste dos Estados Unidos vêm se opondo em outros contextos nos últimos tempos.
Contudo, vale ressaltar: a mudança ainda permite ao usuário de decidir se compartilha todos os contatos que possui, em contraste com o Android, que segue com a regra do “ou compartilha tudo, ou não compartilha nada”.
Para Bier, o resultado disso pode ser a substituição de apps baseados em contatos por outros que trazem conteúdos baseados no que gostam, e não de amigos (como o TikTok), ou, ainda, apps de inteligência artificial (IA) que não necessitam de humanos.
“Você já teria que ser muito louco para fazer um aplicativo social baseado em amigos. Agora, é quase impossível”, concluiu o desenvolvedor.
O Olhar Digital entrou em contato com a Apple para que a empresa se posicione sobre a mudança realizada no iOS 18 e aguarda retorno.
Esta post foi modificado pela última vez em 2 de outubro de 2024 21:15